Foi avistando um vinil cor-de-rosa de Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão, de Marisa Monte, em uma feira de antiguidades que o cineasta Henrique Filho, o Hencafil, de 35 anos, decidiu: era a hora de colecionar vinil. Dono hoje de um estoque invejável de cerca de 350 discos e de uma página no TikTok para falar do assunto, a Vinil do Hencafil, foi um clube de assinatura que fez a paixão brotar.
Pesquisando a origem do tal disco rosa, o cineasta se deparou com o Noize Record Club. Primeiro clube de vinil da América Latina, o Noize nasceu a partir de uma revista homônima: a Noize, fundada em 2007. A ideia é enviar aos assinantes uma edição exclusiva por mês com uma revista sobre o cantor e a obra escolhida.
A curadoria vai de artistas nacionais já renomados a novas descobertas. Hoje, o clube já soma 10 anos e cerca de 9 mil assinantes, segundo Rafael Rocha, diretor criativo do projeto.
A comunicadora e pesquisadora musical Lina Andreosi, de 27 anos, é assinante do clube desde 2019. À época, ela foi atraída pelo lançamento do disco Sombrou Dúvida, da banda Boogarins. “Foi o ano que eu comecei a colecionar discos e a ‘entrar’ com mais profundidade na música brasileira”, diz.
Para Lina, pegar um disco significa o privilégio de ter algo físico em uma época em que “tudo está digital, no celular”. “Eu vou muito a shows, e eu acho que a experiência do vinil é a experiência que mais se assimila à questão de ir a um show”, afirma.
Hencafil concorda: o vinil, segundo o cineasta, é uma maneira de ficar mais próximo de um artista de que se gosta muito. “É como se esse artista estivesse presente com você, fazendo parte da sua vida através daquelas capas icônicas e através da música, que é o que mais importa nesse caso”, diz.
“O vinil materializa a música como nada está materializando no momento”, avalia o diretor criativo da Noize sobre essa urgência de se ter algo físico em mãos. Para Rafael, há a necessidade de ter um envolvimento físico com o que se ama - no caso, a música. Os shows e os discos ocupam esse lugar.
Mergulho
A assinatura da atriz, DJ e curadora musical Thais Rodrigues, de 30 anos, é recente: ela entrou para o clube em novembro e recebeu 4, o último disco de estúdio da banda Los Hermanos, como seu primeiro vinil da Noize. Ela, assim como Lina, viu no projeto a chance de se aproximar mais da música brasileira.
Eu não tive a oportunidade de nascer em um berço onde a música popular brasileira era trabalhada, eu sou mais a pessoa do internacional. É um grande resgate. Eu acho que não tem maneira melhor de viver a música brasileira do que como os meus avós e bisavós faziam.
Thais Rodrigues
Segundo Thaís, poder ler encartes de discos - e, no caso da Noize, a revista - é como “mergulhar na história e nas décadas de 1960, 1970″. A curadora musical traduz esse interesse de pessoas jovens por discos de diversas formas: como se fosse “um selo de fã”, “ter uma obra de arte dentro de casa” ou, até mesmo, “colecionar figurinhas”.
O aumento da procura e a dificuldade de se produzir discos faz com que o vinil, especialmente no Brasil, não seja um item tão acessível assim. “Não tem como colocar vinil em uma categoria se não como uma coisa que nós realmente investimos”, diz Lina.
Uma assinatura de um dos clubes de vinil disponíveis no País varia entre a faixa de R$ 100. O valor, porém, chega a ser baixo se comparado a alguns discos novos e lacrados vendidos em sites ou lojas especializadas. Em bom estado, um vinil pode ultrapassar R$ 1 mil.
Até mesmo as edições exclusivas dos clubes podem supervalorizar após esgotarem. Assinante também do Clube do Vinil da gravadora Universal Music, Hencafil dá como exemplo Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo, de Cássia Eller.
O cineasta recebeu uma edição limitada translúcida do disco por meio do clube da gravadora - a assinatura anual é de R$ 129,90 por mês. Agora, segundo ele, o mesmo disco é vendido por assinantes ou lojas especializadas por mais de R$ 500.
Crescimento
Apesar de o Noize Record Club existir já há 10 anos, Rafael Rocha viu o interesse crescer consideravelmente nos últimos cinco anos. O aumento, conforme o diretor criativo, se deu mais durante a pandemia da covid-19. “Acho que as pessoas tiveram mais essa necessidade de contato com o que elas amam”, diz ele sobre o período.
O desejo pelo vinil, de clubes ou avulsos, teve um enorme aumento no último ano. Segundo uma pesquisa da Pro-Música Brasil, filiada à Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o faturamento cresceu 136% no ano passado em relação ao ano anterior.
Hoje, o sucesso do Noize Record Club é tão importante que o clube e a revista se tornaram “uma coisa só”. “O clube faz com que a revista impressa esteja viva e, ao mesmo tempo, a revista impressa é o coração da ‘parada toda’”, diz o diretor criativo.
Rafael conta que também coleciona vinil - um gosto que surgiu após “pegar o Off the Wall, do Michael Jackson, nas mãos” -, mas se posiciona contra “a supervalorização dos valores dos discos”. Isso fez com que ele consumisse cada vez menos ao longo dos anos.
“Eu acho um absurdo. Daria para cobrar menos”, afirma. “Nós [Noize] somos um exemplo prático disso. Precisamos fazer com que não seja extremamente elitista. Já é tão caro ter tudo em volta.”
Dificuldade
A história da Noize, porém, passou por um momento delicado recentemente. Natural de Porto Alegre, a revista teve o escritório alagado na maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul. Segundo Rafael, parte do acervo do clube foi perdido.
Por isso, a atual edição é uma reação e uma resposta: o álbum Ramilonga, de 1997, do gaúcho Vitor Ramil. No disco, o artista explora a milonga, gênero representativo do estado.
Parte do lucro das assinaturas será doada a ações em prol do setor musical do Rio Grande do Sul. Além disso, 100% das vendas avulsas do disco serão destinadas a essas iniciativas. É a primeira vez que Ramilonga é prensado em disco de vinil.
“Além dos danos físicos e materiais, essa enchente ‘bagunçou’ todo mundo, principalmente os gaúchos. Então, foi muito mais do que o [prejuízo] material a história toda”, lamenta Rafael.
Conheça opções de clubes de vinil
Quem se interessar por assinar um clube de vinil pode encontrar opções com curadorias variadas pelo Brasil. O Estadão separou três deles abaixo. Confira.
- Noize Record Club: O objetivo da Noize é criar edições especiais de clássicos indispensáveis da música brasileira, além de álbuns de artistas contemporâneos. O clube é conhecido pela prensagem colorida, que combina com a capa do vinil. Disco Club, de Tim Maia, Nenhuma Dor, de Gal Costa, Gilberto Gil, de Gilberto Gil, e Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua, de Ana Frango Elétrico, estão entre os discos já lançados. Quanto: R$ 95 + frete.
- Clube do Vinil da Universal Music: A gravadora promove um clube com curadoria de Charles Gavin, ex-baterista dos Titãs e do Ira!. Os discos recebidos pelos assinantes podem ser tanto de artistas nacionais quanto internacionais e tanto importados quanto fabricados no Brasil. Os escolhidos são lançamentos ou grandes clássicos da música - cada vinil acompanha, ainda, a história do álbum. Álibi, de Maria Bethânia, Falso Brilhante, de Elis Regina, e Refestança, de Gilberto Gil, Rita Lee e Tutti Frutti, estão entre as edições anteriores. A de junho é Almanaque, de Chico Buarque. Quanto: R$ 129,90 (anual) e R$ 169,90 (mensal). O frete é grátis.
- Três Selos: Criado em 2018 pelos selos Assustado Discos, EAEO Records e Goma Gringa, o clube traz edições especiais de artistas brasileiros. Em 2021, o Goma Ginga deixou o projeto e, em 2022, o Três Selos contou com a entrada do Nada Nada Discos/Discos Nada. Dentre as edições já lançadas, está A Voz, O Violão, A Música de Djavan, de Djavan, Verde Que Te Quero Rosa, de Cartola, e Banzeiro, de Dona Odete. A edição atual é o disco Saiba, de Arnaldo Antunes. Quanto: R$ 130 + frete.
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