Wilco e The Libertines, como yin-yang, expõem a dialética do indie em São Paulo

Atrações principais do Popload Festival, realizado na noite deste sábado, 8, se mostraram opostas e complementares

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Wilco Foto: Eliária Andrade / Estadão

Nem tudo é luz, nem escuridão. Nem tudo é delicadeza pura ou selvageria desvairada. Diametralmente opostas no circuito da música independente, Wilco e The Libertines, as duas principais atrações da quarta edição do antenado Popload Festival, realizada na tarde e noite deste sábado, 8, se mostraram complementares – e necessárias.

No lado mais claro, a norte-americana Wilco veio a São Paulo pela primeira vez (a sua única passagem pelo Brasil, até então, havia incluído apenas um show no Rio de Janeiro, 11 anos atrás). Liderado por um sorridente Jeff Tweedy, o sexteto tem na candura agridoce cantada pelo seu vocalista a força-motriz para arrastar um séquito fiel de fãs para onde forem – e a aguardar cada um dos seus novos discos (são 10 álbuns atualmente).

Popload Festival 2016 - 10 anos Foto: Eliaria Andrade

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No corner sombrio está a problemática The Libertines. Criado a partir da combustão do encontro entre Pete Doherty e Carl Barât, o quarteto britânico é lo-fi no estado mais puro que o início dos anos 2000 foi capaz de produzir na Inglaterra (uma resposta musical ao movimento encabeçado pelo The Strokes, no Brooklyn, nos Estados Unidos).

Pelo lado do Wilco, é escancarada a virtuose dos seis integrantes cada vez melhores em suas funções, como os mais recentes discos, Star Wars (2015) e Schmilco (2016), já deixavam claro. No palco, eles são capazes de criar e recriar as próprias canções, inverter tempos, acrescentar camadas e ampliar passagens e solos. Doherty, Barât, John Hassall (baixo) e Garry Powell (baterista), por sua vez, são suor, acordes por vezes tortos e muito bromance entre seus protagonistas - ou antagonistas.

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O Popload Festival deste ano, contudo, mostrou que não existe maniqueísmo musical quando se trata de uma dessas duas bandas. Há, sim, escuridão no Wilco – e ruído é o que não falta para Tweedy, John Stirratt (baixo), Glenn Kotche (bateria), Mikael Jorgensen (teclado), Nels Cline (guitarra) e Pat Sansone (guitarra, na maior parte das vezes). Barulhento como uma banda de garagem recém-formada – e se divertindo com isso -, o grupo usa o tempo de estrada (20 anos) a seu favor no palco. Canções queridas dos fãs, porém vagarosas, como Hate it Here (recentemente resgatada pelo filme Boyhood), não têm espaço no set preparado pela banda.

Com algumas mudanças com relação ao repertório escolhido para o show no Rio de Janeiro, na quinta-feira, 6, o Wilco favoreceu a arena na qual se apresentava. O Urban Stage, com capacidade para 8 mil pessoas, é o oposto do pequenino e fechado Circo Voador carioca. Houve mais espaço para o disco sem firulas (embora delicado) Sky Blue Sky, com as lindas Either Way, Impossible Germany e Side With the Seeds, e diminuiu-se em duas canções a quantidade de escolhidas do clássico Yankee Hotel Foxtrot, mais introspectivo e nublado.

A melancolia inerente na voz e nas composições de Jeff Tweedy, no palco, ganham outra dimensão. Ganham vida, melhor dizendo. Nos álbuns de estúdio, os versos ardidos escorrem vagarosos até encontrarem as feridas nos corações dos ouvintes. Ao vivo, não há espaço para isso. Por mais que Tweedy cante o desamor, a desilusão, a saudade e a ausência, o restante do Wilco preenche e potencializa os dizeres do vocalista. Nada de sutileza ou delicadeza. No palco, o Wilco distribui bordoadas sem dó - Nels Cline e Glenn Kotche esmigalham seus instrumentos um sem número de vezes para garantir que isso aconteça com uma frequência impressionante.

Wilco Foto: Eliária Andrade / Estadão

Duas horas e 27 canções depois, elogios ao público brasileiro, pedidos de desculpa pela ausência, o Wilco deixou o palco montado no Urban Stage. Sobrou um assombroso silêncio, só preenchido pelo zunido nos ouvidos daqueles que testemunharam o debute de Tweedy e companhia por aqui.

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Foi a vez, então, do The Libertines. Era a primeira apresentação da em solo paulistano em sua formação original – em 2004, quando o grupo veio, Doherty já estava fora e o Libertines se desfez um mês depois.

Sem a carga sonora da atração anterior, o Libertines suou para se fazer ouvir. Parte da plateia, formada por fãs do Wilco, já havia se dissipado quando veio o primeiro hit, Boys in the Band, do disco clássico de estreia, Up the Bracket (2002). Era a quinta faixa do repertório e a dupla formada por Barât e Doherty estava só aquecendo.

The Libertines Foto: Eliária Andrade / Estadão

O Wilco representa a maturidade em sua totalidade, sonora e nas suas temáticas reflexivas, enquanto os libertinos de Londres são o expoente da juventude sem limites. Drogas e álcool foram a ruína da banda, só reerguida recentemente depois de Doherty conseguir se limpar dos vícios de heroína e se manter longe das grades.

Há, nos acordes tortos e vocais desleixados, a beleza da petulância jovem. Doherty e Barât, embora próximos dos 40 anos de idade, ainda são garotos no palco. Dividem infinitas vezes o mesmo microfone, repetindo a pose mais clássica da banda, e fazem suas guitarras conversarem fervorosamente como dois amigos bêbados em um bar – um por vezes interrompendo o outro, mas sem discussão.

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De Up the Bracket vieram oito canções da apresentação (além de Boys in the Band, eles mostraram Death on the Stairs, Horrorshow, Tell the King, The Good Old Days, Time for Heroes, Up the Bracket e Vertigo). O álbum mais recente do quarteto, o irregular Anthems for Doomed Youth, do ano passado, foram sete escolhidas.

Já era domingo, 0h30, quando soou a última nota de Don't Look Back Into the Sun e o Libertines encerrou sua performance. Reunidos na frente do palco, os quatro integrantes do grupo se abraçaram e agradeceram aos fãs que se mantiveram ali. Com um passado não tão distante bastante conturbado, cada performance encerrada é uma vitória para Barât, Doherty e companhia.

Com isso, chegou ao fim do Popload Festival 2016. No papel, Wilco e Libertines podem ser opostos. Mas nada é assim tão raso. Embora díspares, as bandas foram complementares como um yin-yang indie, na qual duas forças opostas coexistem e ainda apresentam características do outro – o Wilco pode ser tão selvagem quanto o Libertines, assim como a banda britânica pode ser delicada tal qual a atração vinda de Chicago.

Neste domingo, 9, o Wilco volta a se apresentar em São Paulo, desta vez no intimista Auditório Ibirapuera, para um público de 800, em um show especial de comemoração dos dez anos do Popload. Os ingressos, disputados a tapas, já estão esgotados.

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The Libertines Foto: Eliária Andrade / Estadão

Bixiga 70, Ava Rocha e Ratatat

A tarde, ainda quente, no Urban Stage, foi inaugurada pelo Bixiga 70. A trupe instrumental de uma mistura deliciosa afrobeat, ritmos latinos e toques de brasilidade foi chamada para o festival depois do cancelamento da apresentação do Battles - a banda norte-americana alegou problemas familiares de um de seus integrantes no fim de setembro.

Ava Patrya Yndia Yracema Gaitán Rocha, ou somente Ava Rocha, subiu ao palco depois do Bixiga 70. A cantora é a confluência musical de tudo o que o nome dela carrega consigo. É índia e colombiana, é a força da natureza, selvagem, e delicada. É Brasil, com sua mistura intensa e por vezes estranha. Acompanhada de um quarteto, formado por dois guitarristas, um baixista e um baterista, Ava levou ao palco a força do seu segundo disco, lançado no ano passado. O álbum, cujo título é o nome completo da cantora filha do cineasta Glauber Rocha, alçou voos altos e chegou a ser indicado pelo The New York Times como um dos melhores lançamentos de 2015.

No palco, Ava é performática. É como se cada canção fosse uma entidade que tomasse o corpo dela para si e, através dele, ganhasse vida. A cantora se transforma, entre batuques e guitarradas, em petardos poderosos incapazes de serem presos em gêneros, tal qual o seu País natal. Ava é o Brasil de ontem, de hoje e de amanhã.

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Uma dupla, mas poderia ser um octeto, o Ratatat (leia-se "Ratatá") ofereceu um tempero dance-psicodélico-roqueiro para o início da noite de sábado. Com bases programadas, loopings e guitarras saídas dos discos mais progressivos do Iron Maiden, Mike Stroud e Evan Mast também caminham nessa divertida linha entre o estranho e o pop.

Fazem dançar, ao mesmo tempo que incluem gorjeios de pássaros e rugidos de leões na performance. Os arpejos virtuosos na guitarra entram em sintonia com as projeções psicodélicas no telão ao fundo. Com pouca luz em Stroud e Mast, o som do Ratatat usa saídas não convencionais, sem vocais, para levar o público numa viagem sombria e de cores espaças. Não era o público deles que estava no Urban Stage, mas a dupla soube manter a quentura da tarde para o que viria a seguir, com Wilco e The Libertines.

O espaço

Ainda pouco utilizado para shows de médio porte, o Urban Stage foi apresentado pelo Popload Festival como uma saída interessante para um evento que mais do que dobrou em capacidade de público de um ano para o outro. Com espaço para 8 mil pessoas, divididas entre uma área premium que não ocupa a frente do palco na sua totalidade e a pista comum, o local tem trânsito fácil ali dentro, sem momentos assustadores de gargalo. Havia ainda uma quantidade razoável de banheiros e um bom espaço para a praça de alimentação com caminhões de comidinhas e bebidas nos fundos - esta, inclusive, poderia ser ampliada, já que antes do fim do festival, grande parte dos food trucks já havia vendido todas as suas mercadorias. A pequena área para DJ sets realizados nos intervalos dos shows, também localizada no fundo do Urban Stage, também pareceu funcionar, principalmente durante a divertida performance do Aldo The Band. 

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