O violinista e regente austríaco Thomas Zehetmair jamais brinca em serviço. Mantém um rigor implacável em suas atrevidas e originais aventuras musicais. Montou um quarteto de cordas em 1994 que só acumulou prêmios ao longo dos anos. E mais recentemente se aventurou na regência, com resultados surpreendentes (como um CD Ravel e Debussy com a Orquestra de Câmara de Paris em 2013). Dizem que costuma se indispor com músicos preguiçosos com os quais interage.
Aos 57 anos, sempre nos leva ao melhor dos mundos – ou nos retira de nossa zona de conforto, na visão do público mais conservador (parte dos assinantes nem foi aos concertos, deixando muitos lugares vagos na Sala São Paulo).
Em duas semanas de ensaios e concertos com a Osesp, inovou no repertório (como o concerto de violino de Hartmann e concerto duplo de Britten) e em interpretações meticulosamente construídas, como na Sexta Sinfonia de Bruckner na quinta-feira, 16, na Sala São Paulo.
A flautista Laura Ronai, no texto do programa, diz que a sinfonia n.º 6 é “o patinho feio” de Bruckner. Esqueceu de incluir o concerto para violino e viola de Britten, escrito aos 18 anos e do qual ele não gostava. Ficou inédito até 1997. Não merecia. Já tem os germes que o transformaram no compositor inglês do século 20 mais tocado no mundo: o sutil tratamento da orquestra e a fluência mesmo com uma escrita intrincada das conversas entre violino e viola solistas o tornam difícil de ser comandado pelo violino – Zehetmair acumulou as funções de modo impecável.
Lauro Machado Coelho escreve que “Bruckner era um homem extraordinariamente simples, mas sua música não é” (em seu belo livro sobre Bruckner, de 2009). Ele compôs a sinfonia n.º 6 em estado de graça. Tinha sido chamado pelo maestro Hans Richter, que estreara a quarta sinfonia, de “o Schubert do nosso tempo”. De fato, a obra inteira respira uma atmosfera bem menos pesada do que suas congêneres mais badaladas. O Adagio de 20 minutos é um dos mais belos entre seus habitualmente maravilhosos adágios sinfônicos. E o Scherzo é genial, com os contrabaixos e cellos batendo os tempos ao lado de um curto motivo das violas, acolchoando as aventuras melódicas das madeiras.
Zehetmair repetiu sua rara excelência também como maestro. Conduziu uma obra monumental com espírito camerístico, tamanha a atenção aos detalhes. E a Osesp respondeu de modo espetacular. Por isso, a repetição do mesmo concerto também na Sala São Paulo, neste sábado, 18, às 16h30, é imperdível.
Fiquei ansioso para ouvir sua leitura da terceira de Bruckner, marcando sua estreia como maestro titular da Orquestra do Colégio Musical de Winterthur (o CD é de dezembro passado, mas ainda não chegou às plataformas de streaming).
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