Elizabeth Barrett Browning. Bocejos. Aquele enjoativo poema de amor, How do I love thee? (Como eu te amo?). O retrato em que ela olha para nós de esguelha, os curiosos cachos que fazem sombra em seu rosto. Uma inválida vitoriana, vítima da tirania do pai. O que, realmente, ela teria a ver conosco, hoje?
Não muito, podemos pensar, até lermos a brilhante biografia de Fiona Sampson, uma biografia de tirar o fôlego, Two-Way Mirror: The Life of Elizabeth Barrett Browning [Espelho de duas faces: A vida de Elizabeth Barrett Browning, em tradução livre], que se lê como um thriller, um livro de memórias e, ao mesmo tempo, uma obra provocadora de ficção literária.
Nesta que é a primeira biografia de Barrett Browning desde 1988, Sampson coloca diretamente a poeta no meio da turbulência política que turvou a Grã-Bretanha vitoriana. Longe de ser uma “poetisa” confessional, doente de amor, vítima passiva ou uma inválida fraca, a Barrett Browning de Sampson foi uma intelectual publicamente engajada, uma ativista política - até mesmo uma lutadora pela liberdade - imersa nas questões de sua era. Ela se engajou com os ativistas consequentes da época e foi feroz na satisfação de suas próprias necessidades, vencendo as barreiras que ameaçavam obstar o seu caminho - independentemente de quanto isto custasse para os que a amavam. A sua fama não se restringiu à Inglaterra. Ela foi uma celebridade na América. Emily Dickinson a lia com admiração, e Harriet Beecher Stowe e Nathaniel Hawthorne viajaram para a Itália somente para conhecê-la. Sampson conta que se Barrett Browning não fosse uma mulher, teria sido indicada como poeta laureada depois da morte de William Wordsworth.
A sua fama pública derivava de sua obra ambiciosa em que enfrentou os temasda raça, do imperialismo, da guerra, da desigualdade econômica e do gênero. O seu poema The Cry of the Children condena o abuso do trabalho infantil. Casa Guidi Windows celebra a guerra italiana pelo auto-governo. Aurora Leigh, seu romance em versos sobre a carreira de uma jovem escritora, expõe os inúmeros desafios que as mulheres marginalizadas enfrentam, como o estupro, a prisão e a pobreza. The Runaway Slave at Pilgrim’s Point retrata os horrores da escravidão e ajudou a levantar recursos para o movimento abolicionista americano.
Para aqueles que, como nós, aprenderam a reverenciar Robert Browning como um escritor de literatura “séria”, e a considerar sua esposa sendo apenas isso - sua esposa -, isto ocorreu como uma espécie de choque, assim como o fato de que Robert Browning era o menos notável dos dois quando fugiram para escapar da ira do pai dela.
Sampson se debruça sobre a nossa compreensão incorreta de Barrett Browning mostrando os desafios com que ela se defrontou. Sampson escreve no tempo presente, e coloca “Ba,” como era chamada pela família e pelos amigos, diante do leitor em sua humanidade total, para que tentemos decifrar os seus problemas, para enfurecer-nos com os médicos que a aconselham a não escrever a fim de preservar a saúde, e para que a instiguemos quando se torna evidente que o pai não permitirá que ela case com Browning. Sampsontambém nos guia nas suas descobertas e, com humor cáustico, aponta a ironia de certas situações. Quando ela descreve uma carta com críticas que a jovem Barrett Browning, então com 21 anos, recebeu de um dos seus mentores, Hugh Stuart Boyd, Sampson escreve:
“A carta se perdeu, mas nós sabemos algo do seu conteúdo pela resposta de Elizabeth. Evidentemente, eleincluiu alguns versos em grego endereçados a ela, mas também expressou um interesse crescente por sua ‘melhora’. Combinar lisonjas com crítica é - acaso ela não sabia? -, a clássica manobra que um homem mais velho faz com a uma mulher mais jovem. E isto funciona tão bem porque frequentemente as mulheres jovens estão mergulhadas na autocrítica; ou seja, aprendendo o delicado paradoxo da excelência embora sendo secundária”.
Estes comentários autorais à parte são sempre úteis, frequentemente provocadores e às vezes muito engraçados. O mais importante é que ajudam Barrett Browning a parecer mais viva, quando as vozes dos dois poetas frequentemente se entrelaçam na página.
Isto teria agradado a Ba, que era fascinada pela ideia de conversar com os mortos, e, em muitos sentidos, como Sampson deixa claro, esta é a impossível busca da biógrafa, falar com os mortos, pôr a eles questões e ouvir suas respostas. O “tema real” de um retrato, ela escreve, “não é talvez uma pessoa, mas um encontro entre duas pessoas, a artista e o seu tema”. E é exatamente assim que é “Two-Way Mirror”, comoum diálogo vividamente reproduzido entre uma poeta viva e uma morta. Sampson faz perguntas às quais Barrett Browning às vezes responde. Às vezes, é claro, não responde, mas as perguntas de Sampson fazem com que o leitor não deixe de virar a página, porque precisamos saber quais poderiam ser as respostas. Ao longo deste livro mágico e envolvente, Sampson nos mostra que também nós podemos falar com os mortos, ou, pelo menos, podemos ouvir as suas palavras.
*O mais recente livro de Charlotte Gordon, Romantic Outlaws: The Lives of Mary Wollstonecraft and Her Daughter Mary Shelley, venceu o National Book Critics Circle Award para Biografias.
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