O diretor e produtor Jorge Takla assinou, em 2007, uma belíssima montagem do musical My Fair Lady, com Amanda Costa, Daniel Boaventura e Francarlos Reis em momentos luminosos. O tempo passou e aquele clássico americano, que inspirou uma festejada versão cinematográfica, continuava a oferecer desafios para o encenador. A ponto de ele voltar ao espetáculo e preparar uma nova montagem, que estreia dia 27, no Teatro Santander.
“A vivência me fez ter outro olhar para cenário, figurino e formas de dirigir”, conta Takla que, para a nova versão, contará com outro elenco de peso – a começar pelo protagonista, o ator e barítono Paulo Szot que, em 2008, conquistou o Tony (o Oscar do teatro americano) por sua performance no musical South Pacific. No papel do aristocrata professor Henry Higgins, ele vai contracenar com Daniele Nastri, que viverá Eliza Doolittle, a florista rude e de péssima dicção que, depois de ensinada por Higgins, vai se transformar na bela dama do título. Finalmente, cumprindo a sina de viver aquele papel aparentemente secundário mas que rouba a cena sempre que assume o comando, Sandro Christopher será Alfred Doolittle, pai de Eliza e notório malandro, responsável por grandes momentos de humor.
“Nessa montagem, começo com uma base musical que já é clássica, mas, dez anos depois, estou mais sensível a importantes detalhes”, observa Takla. “A peça oferece infinitas escolhas, especialmente graças à sua fina ironia.” Considerada a rainha dos musicais, My Fair Lady é imbatível. Inspirada na cáustica comédia Pigmalião, de Bernard Shaw, sobre o sistema inglês de classes, a produção tem música original de Frederick Loewe e libreto e letras de Alan Jay Lerner, cuja feliz combinação resulta em um espetáculo alegre e inteligente.
Transformado em filme em 1964, com Audrey Hepburn e Rex Harrison, o musical conta a história de Elisa Doolittle, a pobre vendedora de flores cuja aspirações se reduziam a conseguir algumas moedas nas imediações de Covent Garden, em Londres. Lá, ela enfrenta o imponente professor Henry Higgins, destacado mestre de fonética, estudioso de línguas, circunspecto, arrogante, cínico e solteirão convicto. A trama começa quando Higgins propõe uma aposta ao amigo Pickering (Eduardo Amir) de que ele seria capaz de transformar Elisa em uma dama no período de seis meses.
Não bastasse o tom de conto de fadas, que traz ainda uma sátira social, além de uma bela história de amor, My Fair Lady logo se tornou um clássico graças às músicas de Frederick Loewe e letras de Alan Jay Lerner (responsável também pela adaptação) – algumas, como I Could Have Danced All Night, On the Street Where You Live, Get me to the Church on Time, e a divertida The Rain in Spain foram rapidamente absorvidas pelo gosto popular e gravadas pelos mais diversos artistas no mundo todo. “O humor ferino de Shaw inspirou uma trama marcada pela humanidade e universalidade, que a tornam o espetáculo algo muito sensível para o público”, observa Takla.
Para ele, a grande dificuldade nas versões brasileiras é reforçar algo que, para os ingleses, é habitual: como a forma distinta de falar revela cada classe social. “Enquanto na Inglaterra isso é muito natural, para nós as diferenças são mais suaves. Por isso, temos que marcar com mais força a distinção entre a fala da alta classe e a da mais humilde.”
Como os detalhes, nesse caso, são imprescindíveis, Takla encontrou em Paulo Szot o intérprete ideal. Dono de uma bem sucedida carreira internacional no mundo da ópera (iniciada em 1997, com O Barbeiro de Sevilha), Szot estreia em um musical brasileiro trazendo a experiência que já acumula na Broadway. “Apesar de semelhantes, ópera e musical têm diferenças fundamentais para o ator criar seu trabalho”, conta ele. “No musical, a busca do personagem é diária e muda minuto a minuto. Dependendo da forma com que seu colega de cena reage, você também acaba mudando. Já na ópera, o artista fica preso à partitura e menos à atuação.” Szot observa que, enquanto na ópera o canal de comunicação com o público é a voz (“Se não tem um agudo tecnicamente resolvido, por exemplo, não adianta”), no musical a encenação é decisiva para estabelecer contato. “Nesse caso, o ator precisa encontrar a humanidade indicada pelo texto e pelas canções. Daí o eterno desafio de se desconstruir.”
Ao contrário da versão cinematográfica, em que Rex Harrison mais declamava que cantava, Szot apreende as nuances das canções. Trabalho semelhante de Daniele Nastri. “Busca criar uma Eliza mais natural e humana”, conta ela, explicando o trabalho com a forma de falar. “No início, quando Eliza é mais humilde, deixo minha voz mais nasalada e em um tom mais alto. À medida que aprende a falar corretamente, ela se torna mais suave.” Em seu processo, Daniele gosta de ver vídeos com a interpretação de Julie Andrews, na versão inglesa. “Ela apresenta uma naturalidade que é invejável”, diz.
MY FAIR LADY
Teatro Santander. Av. Juscelino Kubitschek, 2041. 5ª e 6ª, 21h. Sáb., 17h e 21h. Dom., 16h e 20h. R$ 50 / R$ 260. Estreia 27/8
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