“Você não é arquiteto?”, resmungou o rapaz ao meu lado. “Não estudou esse tipo de equação?”
Estávamos emperrados diante de uma complicada equação do terceiro grau, só resolvida com a ajuda de um livro de matemática.
Sim, fui arquiteto por pouco tempo, depois me dediquei à literatura e ao ensino. Mas aprendi muita coisa na FAU-USP, onde tive bons professores de projeto, história da arte, urbanismo, design e ciências humanas. Por um lance de sorte, o grande geógrafo e professor Milton Santos foi meu orientador numa pesquisa de Iniciação Científica.
Os estudantes temiam as disciplinas ministradas por professores da Escola Politécnica, mas um arquiteto deve ter noções de cálculo estrutural e técnicas construtivas, pois um projeto deve ser factível. A arte e a ciência caminham juntas, como ocorre na natureza e na nossa vida: a beleza de uma flor ou de um pássaro é inseparável de suas cores e de sua geometria.
Penso na formação de médicos, biólogos, dentistas, engenheiros, advogados, e de profissionais de outras áreas, incluindo o vasto campo das novas tecnologias. Todos se dedicaram à pesquisa acadêmica ou científica. Mas, de uns tempos para cá, me surpreendi com o apoio de alguns, senão de muitos deles e delas, a um político que escarneceu da ciência e das vacinas contra a covid-19, e retardou deliberadamente a aquisição de milhões de doses que poderiam ter evitado muitos óbitos. Esse mesmo político chegou ao cúmulo de zombar de pessoas com falta de ar. Enfim, durante mais de dois anos o presidente menosprezou a pandemia e o conhecimento científico. Já nem falo de ciências humanas e das artes, totalmente desprezadas, quando não atacadas pelo chefe da nação.
Por uma mescla de ambição política e oportunismo, alguns médicos e engenheiros – como o atual ministro da Saúde, o ex-ministro astronauta e o candidato do Republicanos ao governo de São Paulo – são adeptos da irracionalidade de seu chefe.
Vários amigos e conhecidos, homens e mulheres que trabalham em áreas diversas, perceberam que não podem apoiar um presidente que sempre negou o que estudaram e que foi comprovado cientificamente. Perceberam que, neste domingo, o que está em jogo é o nosso destino; por isso, decidiram não anular seu voto. Sabem que o País não vai suportar mais quatro anos de mentiras, fanatismo religioso, caos social, destruição de políticas públicas e ameaças reais à democracia.
Que a razão – ou um pouco de bom senso – prevaleça sobre esses malefícios e imposturas.
*ESCRITOR E ARQUITETO, AUTOR DE ‘DOIS IRMÃOS’ E ‘CINZAS DO NORTE’
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