O luto e seu impacto na vida de três mestres da literatura

O biógrafo Robert D. Richardson escreve sobre tragédias na vida de escritores norte-americanos

PUBLICIDADE

Por Diane Cole

“Depois da primeira morte, não há outra”, observou Dylan Thomas em sua majestosa elegia, A Refusal to Mourn the Death, by Fire, of a Child in London. Ao longo dos anos, esse verso marcante me ajudou a entender o impacto formativo de minha primeira perda – a morte de minha mãe, quando eu tinha 22 anos – e a razão por que ainda sinto sua marca, não apenas em como enfrentei outras calamidades, mas na forma como vejo o mundo.

PUBLICIDADE

E por isso, inescapavelmente, o verso me veio à mente enquanto lia a exploração extraordinária e concisa do aclamado biógrafo Robert D. Richardson sobre a trajetória do luto precoce e seus efeitos na vida, Three Roads Back: How Emerson, Thoreau, and William James Responded to the Greatest Losses of Their Lives. Infelizmente, Richardson (1934-2020), especialista em todos os três gigantes intelectuais, morreu antes que o livro fosse publicado.

Não se trata de um livro de autoajuda, mas Richardson oferece conforto e consolo apontando que nem mesmo as figuras mais eminentes de nossa história cultural ficaram imunes à dor do luto. Capítulo a capítulo, lemos que eles também sofreram para dar sentido ao que não fazia sentido: as mortes, muito antes do tempo, da esposa de 19 anos de Ralph Waldo Emerson; do irmão mais velho de Henry David Thoreau, John, de 27 anos; e da amada prima de William James, Minny, de 24 anos.

O biógrafo Robert Richardson, Jr. que escreveu sobre Henry Thoreau, Ralph Waldo Emerson e William James  Foto: David Carmack

E, quando eles emergiram do luto, assim como muitos de nós, algo dentro deles havia mudado. Para Emerson, Thoreau e James, conta-nos Richardson, foi como se suas perdas lhes tivessem marcado as almas, alterando suas mentalidades e os impelindo para frente com diferentes perspectivas e, às vezes, diferentes direções. “Todos enfrentaram desastres, perdas e derrotas, e seus exemplos de resiliência contam entre as contribuições duradouras para a vida moderna”, escreve Richardson. O que ele narra são essas jornadas dos destroços a um sentido de vida renovado.

Ele começa com Emerson (1803-1882), que ainda não havia se tornado o famoso sábio de Concord quando sua esposa morreu de tuberculose, em 1831. Ele descreveu seu estado emocional como “desalentado, debilitado pela dor”. Caminhava todos os dias de sua casa em Boston, onde era então ministro da igreja, para visitar o túmulo dela em Roxbury. No ano seguinte, continuou cumprindo obedientemente suas obrigações pastorais, apesar da incapacidade de encontrar consolo espiritual. Sua crença fora abalada e continuou se transformando quando ele passou do estudo tradicional da Bíblia para a análise racional conhecida como crítica bíblica. Cada vez mais, ele buscou e encontrou inspiração no campo então conhecido como filosofia natural, que agora chamamos de ciência.

Publicidade

Seu ânimo permaneceu sombrio, mas sua mente começou a se agitar: será que o ciclo de vida e morte encontrado na natureza poderia revelar o funcionamento do mundo de uma maneira que a fé não conseguia? Um dia, em seu passeio, chegou a abrir o caixão da esposa para ver com os próprios olhos o resultado do curso natural da decomposição de seu corpo. Anos mais tarde, Emerson escreveria sobre a “espuma volátil do presente”. Richardson se pergunta se ele estava descrevendo a sensação da irrecuperável transitoriedade da vida que o dominara com a morte da esposa e que esse vislumbre da sepultura havia confirmado.

O naturalista Henry David Thoreau Foto: Walden Woods Project

Logo depois, ele renunciou ao ministério da igreja e partiu para a Europa. Em Paris, no vasto jardim botânico, Jardin des Plantes, a beleza, a generosidade e a interconexão de toda a natureza o tocaram como uma visão. Cristalizaram o tema que definiria sua sensibilidade e sua escrita a partir daquele momento, uma revelação que Richardson sintetiza como “regeneração, não por meio de Cristo, mas por meio da Natureza”. Sua jornada agora estava definida. No outono de 1833, com o espírito revitalizado, ele voltou para a América, onde logo se estabeleceu em Concord. Ali se casou mais uma vez e começou uma nova carreira como naturalista, autor – e sábio.

Em janeiro de 1842, John, o irmão de Thoreau, morreu de tétano após se cortar ao fazer a barba

Em seguida, Richardson se volta para o vizinho e amigo de Emerson, Thoreau (1817-1862). Em janeiro de 1842, John, o irmão de Thoreau, morreu de tétano após se cortar ao fazer a barba. Thoreau cuidou dele o melhor que pôde durante seus últimos e excruciantes dias, mas, em uma era antes dos antibióticos, não havia esperança. O próprio Thoreau passou as quatro semanas seguintes na cama. Quando ele se levantou, ainda estava desorientado. “Eu me sinto como uma pena flutuando na atmosfera, por todos os lados há uma profundidade insondável”, escreveu.

Depois da perda do irmão, demorou mais um mês até que ele pudesse começar a reconciliar suas crenças sobre como o mundo funcionava. Ele encontrou o ponto de virada na natureza, escreve Richardson: parou de “ver o mundo feito de indivíduos insubstituíveis e começou a vê-lo como um enorme todo do qual tudo e todos são apenas uma pequena peça”. Essa nova perspectiva abrangeu o que Thoreau percebia como o equilíbrio alcançado pelos ciclos de decadência outonal e renovação primaveril. A natureza, escreveu ele, “reencontra o que é seu sob novas formas, sem perda (...). Quando olhamos os campos, não ficamos tristes porque essas flores ou gramas em particular murcharão – pois sua morte é a lei da vida nova”.

Ele havia trabalhado esses pensamentos em conversas e cartas com Emerson, que estava de luto pela morte recente de seu filho de 5 anos, Waldo, de escarlatina. Ainda não havia tratamento para essa doença e, assim como o irmão de Thoreau, o jovem Waldo morreu em poucos dias. “Não compreendo nada do fato [da morte de Waldo], exceto sua amargura”, escreveu Emerson em seu diário. Após essas perdas, Emerson e Thoreau sofreram juntos e, quando começaram a curar um ao outro, seu consolo compartilhado levou Thoreau a outra percepção: que a amizade também é parte necessária da natureza. “Meu amigo é meu irmão de verdade”, escreveu ele.

Publicidade

'Three Roads Back: How Emerson, Thoreau, and William James Responded to the Greatest Losses of Their Lives' escrito por Robert D. Richardson Foto: Princeton University Press

Emerson, também atuando como mentor de Thoreau, encomendou um artigo para a revista que editava. Esse texto, que foi publicado seis meses após a morte de seu irmão, se tornaria o primeiro trabalho maduro de Thoreau, observa Richardson. Sua dor o derrubara, mas também o estimulara a repensar suas visões ainda incipientes sobre o mundo natural – e, no processo, transformou-o no futuro autor de Walden.

PUBLICIDADE

James (1842-1910) é o argumento final de Richardson. Depois que Minny Temple, a jovem prima de James, morreu de tuberculose em 1870, ele sentiu “o nada de toda a nossa fúria egoísta”, escreveu. Sua amizade afetuosa se baseava em interesses intelectuais compartilhados, como provações e experiências religiosas. É por isso que Richardson acha que Minny estava na mente de James quando, um mês após sua morte, ele experimentou o que descreveu como um “ataque neurastênico agudo” de “constituição religiosa” que provocou “um medo horrível de minha própria existência”. (Tão indelével foi seu pânico que, anos depois, ele o relataria em The Varieties of Religious Experience.) No entanto, três semanas depois de seu horror, ele escreveu com entusiasmo que havia chegado ao que provaria ser sua visão central e definidora sobre o livre arbítrio, a autonomia do eu e as estratégias práticas para mudança de hábitos, como a repressão de pensamentos negativos. Todas essas ideias, sugere Richardson, resultaram das tentativas de James de se livrar da depressão e dos pensamentos taciturnos em que caíra depois da morte de Minny.

Richardson, que, como estudante universitário, lamentou a morte de seu irmão por leucemia, aos 17 anos, narra cada provação com empatia e compaixão. Seu retrato dessas jornadas desde a vulnerabilidade crua até o despertar para as possibilidades da vida nos convida a entrar nas almas desses autores e fala de perto às nossas.

Three Roads Back

Robert D. Richardson

Publicidade

Princeton - 108 páginas - US$ 22.95

- - -

Diane Cole é autora do livro de memórias After Great Pain: A New Life Emerges.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.