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O pintor seringueiro Hélio Melo conquista novos colecionadores e ganha exposição

Artista do Acre, cujos trabalhos foram exibidos na 27.ª Bienal de São Paulo, em 2006, tem sua obra reavaliada e valorizada

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho

Pintor natural do Acre, Hélio Holanda Melo (1926-2001) recebeu o reconhecimento crítico de contemporâneos como o escultor carioca Sérgio Camargo (1930-1990), que colecionou suas obras, exibidas na 27.ª Bienal de São Paulo em 2006. Com a exposição dedicada ao artista pela galeria Almeida & Dale, que vai até 20 de maio, um fenômeno recoloca seu trabalho em outro patamar: Melo virou nome disputado entre colecionadores, dispostos a pagar a partir de R$ 130 mil por uma pintura sua (e 90% das obras da exposição atual não estão à venda).

Com curadoria do crítico Jacopo Crivelli Visconti, a mostra retrospectiva reúne mais de 60 obras de acervos institucionais e coleções particulares. Ela resume uma trajetória que começou quando Melo deixou o seringal, aos 33 anos, para se estabelecer em Rio Branco e seguir a carreira de pintor, tendo, antes, trabalhado como catraieiro. Com a instalação de pontes sobre o Rio Acre, ele abandonou a atividade. Virou barbeiro ambulante, depois vigia, até que, em 1978, conseguiu abrir uma exposição na Biblioteca Pública do Acre.

O pintor do Acre Hélio Melo, que foi seringueiro, catraieiro, barbeiro e vigia, tem sua arte exibida em São Paulo (Crédito: Almeida & Dale Galeria de Arte) Foto: Galeria Almeida & Dale

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Esse percurso coincide com as transformações do território amazônico e da Região Norte do Brasil durante o regime militar. Crítico a respeito das mudanças impostas pelo espírito desenvolvimentista dos anos 1970, que afetou a vida dos seringueiros, expulsos de sua terras pelos criadores de gado, Melo retratou essa realidade. Não de maneira naturalista, ainda que pese sua fidelidade ao retratar a paisagem da região. É que em suas obras, francamente alegóricas, surgem elementos surrealistas como burrinhos sentados em galhos de árvores – como passarinhos – ou seringueiras que viram vacas leiteiras.

O uso de metáforas, contudo, não enfraquece a denúncia política. O curador Jacopo Crivelli Visconti observa que a arte de Melo “é ao mesmo tempo um retrato da violência promovida durante a ditadura sem abdicar da beleza da floresta, de seu mistério profundo”. Religioso, o pintor seringueiro, em 1990, chegou mesmo a incorporar o seringueiro numa releitura contemporânea da via-sacra que, um pouco à maneira de Guignard, confere à experiência do homem comum certa vocação transcendental.

O pranto dos animais diante das queimadas na floresta é retratado por Hélio Melo (Crédito: Galeria Almeida& Dale) Foto: Almeida & Dale) Galeria de Arte

“É quase uma construção teatral do espaço, que sugere uma encenação, não uma reprodução ingênua dessa realidade”, conclui Jacopo. Além disso, muitos dos temas em que aparecem personagens como o seringueiro sem terra – ou perseguido, como o Cristo da via-sacra – são recorrentes. “A floresta retratada por Melo é, ao mesmo tempo, ancestral, mítica e fabulosa, mas também extremamente atual”, reflete o curador. “Essa floresta é um universo vivo e reativo em que tudo está intimamente ligado”, explica, referindo-se aos mitos indígenas amazônicos que marcaram o pintor.

O crítico Paulo Herkenhoff destacou igualmente a importância do convívio de Hélio Melo com os indígenas. “Por seu aprendizado com a natureza e os índios, criou uma agenda de interpretação da vida cotidiana e de um imaginário que mobilizava a dimensão simbólica dos conflitos sociais e ecológicos de seu ambiente”, escreveu Herkenhoff.

Imagem do burrinho sentado num galho de árvore, como um passarinho, é recorrente na obra de Melo Foto: Almeida & Dale Galeria de Arte

Em ensaio produzido para um livro a ser lançado ainda em abril, a curadora Lisette Lagnado, que selecionou obras de Hélio Melo para a 27.ª Bienal de São Paulo, em 2006, aponta ainda outros parentescos, chegando a associar a poética transgressora do artista do Acre ao espírito revolucionário de um Hélio Oiticica, cuja identificação com os excluídos da sociedade brasileira justificaria essa proximidade.

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A troca do mundo da floresta e do seringal pela cidade, ao se instalar em Rio Branco, só fez crescer a consciência de Hélio Melo sobre seu antigo ofício e a situação dos ex-seringueiros urbanizados. Aparentemente simples, essa pintura quase monocromática, em que predomina o verde, é um manifesto ao mesmo tempo contra a degradação ambiental e a perda de um mundo mítico que marcava a conduta desses trabalhadores irmanados com a floresta.

Hélio Melo retrata um seringueiro na Amazônia, profissão que exerceu até completar 33 anos Foto: Sérgio GUERINI /Almeida& Dale Galeria de Artei

Numa das telas, inclusive, surge a figura do Mapinguari (um pajé transformado em besta por ter descoberto o segredo da imortalidade, retratado numa obra de 1989). Como na maioria das telas e desenhos, Melo usa nanquim e extrato de folhas. É essa pintura que o mundo começa a descobrir. Suas pinturas foram exibidas recentemente no Armory Show e devem voltar para outra exposição nos Estados Unidos, segundo pretende o curador Crivelli Visconti.

SERVIÇO

Hélio Melo

Almeida & Dale Galeria de Arte.

Rua Caconde, 152. 2ª a 6ª, 10h/18h; sáb., 11h/16h. Gratuito. Até 20/5


31/03/2023 CADERNO2 / CADERNO 2 / C2 / USO EDITORIAL RESTRITO - Imagens das pinturas do pintor Hélio Melo, em exposição em São Paulo (Crédito: Galeria Almeida& Dale) Foto: ESTADAO / undefined
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