Gertrude Stein, Gerhart Haptmann, John Maynard Keynes e H. G. Wells são alguns dos artistas que entram em domínio público em 2017. E, sim, todo o movimento em torno de obras agora liberadas tem aura de celebração: livres dos encargos de direitos autorais, ampliam-se as possibilidades de republicação, de novas traduções e, em consequência, há um maior acesso a esses autores.
Da lista acima, interessa-nos reforçar a expectativa em torno de Gertrude Stein. A polêmica escritora norte-americana, “mãe do modernismo”, é frequentemente lembrada por ter reunido em seu salon figuras da vanguarda do início do século 20 e pela frase “Rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Para além disso, sua vasta obra é ainda pouco conhecida de nosso público. O “vasta” se refere a uma produção que contempla gêneros literários diversos: novelas, romances, retratos, contos, peças teatrais, conferências e ensaios, poemas, literatura infantil, histórias detetivescas e libretos de ópera.
Stein foi uma escritora de sérias e ousadas convicções artísticas e, com todo o investimento estético e estilístico que caracterizam suas descobertas, é natural que sua obra encerre grande complexidade. Essa obra compreendeu dois momentos: um marcadamente experimental, em que a escritora introduziu noções de repetição/insistência, de presente contínuo, de peça-paisagem e de presentificação em substituição à descrição naturalista, e na qual situamos textos como The Making of Americans (1902-1911), e um outro momento em que Stein, cansada do descaso da crítica, decide adotar um estilo menos elaborado, lançando, em 1933, A Autobiografia de Alice B. Toklas, best-seller de reminiscências em torno da boêmia parisiense do início do século 20 (retratada no filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen). Mas o que temos no Brasil da sua obra?
O marco inicial da presença steiniana entre nós é a tradução da conferência Poesia e Gramática, feita por Mário Faustino em 1957; também Augusto de Campos traduz fragmentos da obra de Stein em 1959 (republicados mais tarde). Na década seguinte vem a lume o Três Vidas (1965), em tradução de Brenno Silveira e José Paulo Paes; de lá para cá o rol de tradutores aumenta e, citando apenas alguns, inclui Júlio Castañon Guimarães, Milton Persson, Fábio Fonseca de Melo, Inês Cardoso Martins Moreira, Dirce Waltrick do Amarante, Vanessa Barbara e José Rubens Siqueira.
Além das publicações em livro, vale lembrar que muitas traduções estão disponíveis online, em revistas literárias e sites especializados. Assim é que uma parte da produção steiniana já existe – bem traduzida e bem editada – entre nós; temos principalmente os títulos que correspondem ao que é mais conhecido de Stein, como A Autobiografia de Alice B. Toklas e Autobiografia de Todo Mundo, além de algumas de suas peças teatrais.
Levando a linguagem a limites extremos, Stein revolucionou a literatura com uma produção irreverente. Talvez o que haja de mais curioso (e desconhecido) de sua produção sejam os seus dois livros infantis. O primeiro, The World is Round (1938), misturando prosa sem pontuação com poesia, conta a história de uma menina chamada Rose e foi considerado “hermético”, “demasiado dramático” para crianças. Isso nos idos da década de 1930.
Hoje esse texto é reconhecido como altamente inventivo, para ser lido tanto por crianças quanto por adultos. O segundo livro, To Do: a Book of Alphabets and Birthdays (1940), só foi publicado postumamente; burlando as convenções sintáticas, To do oferece uma experiência de jogo com a linguagem, experiência que ativa sentidos e potencializa a imaginação a partir de trocadilhos, repetições e rimas.
A literatura infantil de Gertrude Stein tem o mérito de escapar das maçantes descrições impregnadas de didatismo, oferecendo aos leitores histórias e experiências construídas a partir da linguagem direta do fluxo da consciência. Ambos os livros infantis mencionados chegarão em 2017 ao Brasil. Para Fazer: um Livro de Alfabetos e Aniversários será publicado em março (leia nesta página) pela Iluminuras; assim como O Mundo é Redondo, que deverá chegar aos leitores até o fim do ano.
Com a obra em domínio público aumentam as expectativas de novas publicações que possam revigorar o interesse de adultos e crianças por Gertrude Stein no Brasil. Qualquer que seja o texto de Stein que venha a ser traduzido, aproximará o leitor de descobertas importantes para o entendimento do Modernismo, nos iluminar acerca do que deve ser a experiência do essencial na arte.
*Luci Collin, escritora curitibana, é tradutora e estudiosa da obra de Gertrude Stein
Para Fazer: um Livro de Alfabetos e Aniversários Autora: Gertrude SteinTradução: Luci Collin e Dirce Waltrick do AmaranteEditora: Iluminuras Nas livrarias em março
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