RODRIGO FONSECA Ao encontrar a peça "Diário de Pilar na Grécia" em cartaz em Lisboa, no Teatro Independente de Oeiras, com Miriam Freeland e Roberto Bomtempo, o P de Pop faz as contas e chega à conclusão de que um dos melhores filmes protagonizados por esse brilhante ator (e também realizador), "2 Perdidos Numa Noite Suja" (2002), está completando 20 anos. É o filme que trouxe prestígio cinematográfico a Débora Falabella, coroou a excelência de Bomtempo na frente das telas e atestou o brilhantismo do cineasta José Jofilly nas veredas da observação da marginalidade. Sua carreira começou em agosto de 2002, no 30º Festival de Gramado. Quando o Grupo Estação comemorou seus 35 anos, em 2021, este blog escreveu um ensaio sobre o longa-metragem:
Hemorrágico em sua incontinente exposição de exclusões, "Dois Perdidos Numa Noite Suja", a peça, com o numeral que lhe dá título escrito por extenso, estreou em 1966, numa montagem do Bar Ponto de Encontro, da Galeria Metrópole, em São Paulo, tendo seu próprio autor, Plínio Marcos de Barros (1935-1999), chamado de "repórter do submundo", como ator, ao lado de Ademir Rocha. Despojamento é a primeira palavra que vem a cena quando um sujeito falido pela vida, fracassado na conjugação do verbo "tentar", chamado Tonho, tromba com outro desvalido, só que afiado como gilete de navalha, de nome Tonho. O que parece uma simples buddy story, ou seja, a narrativa do desabrochar de uma amizade, vinda do inesperado, ganha, sob vetores políticos do Brasil pós Golpe de 64, uma aspereza nos diálogos, atingindo o contorno do grotesco quando menos se espera, até culminar em uma rinha, na disputa por um par de "pisantes" engraxados. Cineastas como Eduardo Coutinho (1933-2014) cobiçaram levar Plínio a palcos audiovisuais, mas foi Braz Chadiak quem o fez, em 1970, convocando Emiliano Queiroz pra ser Tonho e um ferocíssimo Nelson Xavier (1941-2017) como Paco, que se autoproclamava "maluco e perigoso". Parecia, então, que todas as dívidas éticas do cinema nacional com aquele momento poético pontiagudo de Plínio estavam pagas. Mas, no início da década de 2000, um mês antes de a tragédia do 11 de Setembro completar um ano, José Joffily provou que não, dando às plateias seu filme mais seminal, coroado com a estatueta de melhor direção no Festival de Brasília. Trocou "Dois" por "2", numa aritmética da erosão moral. A partir de inquietações pessoais ligadas ao degredo de quem foi tentar a sorte nos EUA, o realizador de "A Maldição do Sampaku" (1991) transferiu para Nova York a poética oriunda da zona portuária de Santos, revivificada nas "quebradas do mundaréu", como o próprio Plínio chamava os espaços de invisibilidade social sobre os quais escrevia. Mostrando a Grande Maçã como a Terra Prometida dos que buscam um endinheiramento longe do berço, Jofilly construiu um "Perdidos na Noite" ("Midnight Cowboy", 1969) brasileiro, tendo seu parceiro habitual, Roberto Bomtempo, como um Jon Voight carente. Fez de uma jovial Débora Falabella (saída do fenômeno televisivo "O Clone") algo tão furioso como o Ratso de Dustin Hoffman. Ela é Paco; ele é Tonho. Ela odeia, urra e pipa crack. Ele sonha... buscando um abraço capaz de lhe servir de abrigo. A atuação devastadora de ambos ajudou a sedimentar as bases de uma cartografia de abandonos, fotografado ora com distanciamento documental, ora com chiaroscuros melodramáticos por Nonato Estrela, sob os acordes doídos da música de David Tygel.
p.s.: Às 19h, desta segunda, tem "Eu Seu Que Vou Te Amar" no Estação Botafogo em tributo a Arnaldo Jabor.
p.s.2: Cogita-se que o 75º Festival de Cannes (17 a 28 de maio) vá abrir espaço pra América do Sul em sua seleção oficial em exibir "Argentina, 1985", de Santiago Mitre. No novo filme do realizador de "Paulina" (2015), Ricardo Darín integra um time de advogados que devassaram a junta militar responsável pela tortura durante a ditatura em seu país.
p.s.3: Tem "Kill Bill: Volume 1", de Quentin Tarantino, com Uma Thurman de A Noiva, na Globo, esta madrugada, às 2h20. Antes, às 0h30, tem "Herança de Sangue", com Mel Gibson.
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