Rodrigo Fonseca Em tempos de Quentin Tarantino e seu primoroso "Era uma vez em Hollywood", um potencial ganhador de prêmios no Festival de Cannes, os dois piores longas na briga pela Palma de Ouro de 2019 foram vistos nesta quarta-feira: o canadense Matthias et Maxime", dirigido e estrelado por Xavier Dolan, e o francês "Roubaix, une lumière", de Arnaud Desplechin. O primeiro acompanha uma história de descoberta do desejo entre dois homens, grandes amigos, em meio à participação de ambos em um filme no qual precisam se beijar. O falatório excessivo embota o fluxo narrativo habitualmente veloz do realizador de "Mommy" (2014) pela falta de vigor dos personagens, que parecem esboços de gente. Desplechin, por sua vez, frustrou a crítica com a tentativa de construir um filme sobre a rotina policial de agentes de uma das regiões mais violentas e miseráveis do Velho Mundo. A falta de intimidade do realizador de "Um conto de Natal" (2008) com a cartilha dos thrillers faz com que as tramas paralelas do cotidiano de uma delegacia se atropelem, minando o ritmo. Roschdy Zem encarna o líder de uma célula investigativa com a empolgação de uma missa de sétimo dia.
"Falta-nos tempo pro cinema. Falta o prazer de perder tempo", disse Desplechin ao abrir Cannes, em 2017, com "Os fantasmas de Ismäel".
Quando ele começou a filmar, em 1991, com "La vie des morts", a França ainda chorava a morte de François Truffaut (1932-1984) a cada vez que alguém se arriscava a filmar uma história sobre o querer. Gérard Depardieu publicou num livro de sua autoria chamado "Cartas roubadas" uma sentença para o romantismo das telas. "Depois que François morreu, não faz mais sentido falar de amor, pois a falta que o sorriso dele faz nos deixa um buraco". Mas a geração de Deplechin, revelada quase três décadas após a Nouvelle Vague não aceitou essa proibição estética. O problema aqui em "Roubaix, une lumière" é que lhe falta intimidade com a matéria investigativa pela qual gravita.
Hoje saiu o primeiro peso de prêmio de Cannes em 2019: a láurea Nespresso da Semana da Crítica, que foi dada a "J'ai perdu mon corps", de Jérémy Clapin. A Société des Auteurs et Compositeurs Dramatiques [SACD] aproveitou o evento e premiou o drama "Nuestras madres", da Guatemala. A direção é de César Díaz. Na trama, um antropólogo que pesquisa desaparecidos da guerra civil de seu país tenta buscar o paradeiro de seu pai. Na Quinzena dos Realizadores, um dos mais queridos parceiros de Tarantino, Robert Rodriguez, diretor de "El Mariachi", ministrou uma concorrida aula de direção na terça e exibiu um trabalho inédito: "Red 11". Muito se fala, na mostra Seánces Spéciales, da passagem de "Tommaso", de Abel Ferrara, experimento híbrido (e divertidíssimo) de ficção e documentário, com Willem Dafoe na pele de um feérico professor de arte dramática em Roma.https://www.semainedelacritique.com/en/prizes-and-awards-winners
Nesta sexta, Sylvester Stallone vem a Cannes para receber uma homenagem pelo conjunto de sua carreira e exibir imagens inéditas de "Rambo - Last Blood", que vai lançar em setembro. De quebra, ele aproveita a passagem pela Croisette para participar de uma projeção de gala de uma versão digital inédita de "Rambo - Programado para matar" (1982).
Estima-se que, neste sábado, Stallone será convidado para anunciar o ganhador da Palma de Ouro em nome do júri presidido pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñarritu. Até agora o favorito segue sendo "Dor e glória", do espanhol Pedro Almodóvar, com Antonio Banderas no papel de um cineasta que revê seu passado em meio a um problema gástrico e uma visita ao mundo das drogas. Quentin Tarantino, que vem dividindo opiniões com seu "Era uma vez em Hollywood", não deve sair do balneário sem prêmios. Um dia antes da cerimônia que vai encerrar a edição nº 72 do festival, serão entregues os prêmios da seção Um Certo Olhar (Un Certain Regard), que tem em Karim Aïnouz e seu "A vida invisível de Eurídice Gusmão" um ímã de láureas, incluindo alguma possível menção ao desempenho de Fernanda Montenegro.
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