RODRIGO FONSECA Com toda educação, Phillipe Garrel avisa aos que lhe interpelam "Não posso dar entrevistas!", não importa qual for o motivo do toque em seu telefone ou a mensagem em sua caixa postal, num sinal do quanto as suas atenções estão devotadas na 73ª Berlinale, onde vai exibir seu novo longa-metragem, "La Grand Chariot", no próximo dia 21. Seu roteiro narra um encontro de três titereiros (vividos pelas filhas e o filho de Phlippe, batizados Esther, Lena e Louis Garrel) egressos de uma trupe de manipuladores de marionetes em meio a uma transformação femiliar. É um dos 19 concorrentes ao Urso de Ouro e leva o cineasta de volta ao festival onde brilhou, há três anos, com o delicado "Lágrimas de Sal", inédito em circuito até aqui, apesar de uma passagem pelo Festival do Rio, em 2021.
Viaja-se pela filosofia francesa ao falar do filme, que fez carreira em várias salas da Europa ao fim da pandemia. Pela lógica de André Gide (1869-1951), segundo quem "as coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão", o sentimento expresso no filme "Le Sel Des Larmes" (título original), que leva a jovem Djemila (Oulaya Amamra) a um estágio de exasperação, no gim da distância, não requer nome, por ser transpirado numa metafísica avessa a deselegâncias, mas aberta a desatinos. São gradações diferentes do porvir, da barriga que esfria, da mão que sua: ou seja, os sintomas do objeto pontiagudo (que causa tétano) chamado benquerer. Uns chamam de "amor". Sempre existe amor em Garrel, assim como a vida, sua inimiga. A última coisa que se pode usar para falar do contagioso longa do cineasta é "desnecessário", pois há medida para tudo nele. É um "cinema de antigamente", feito nos "tempos do agora". É aquilo que Roland Barthes (1915-1980), na clara câmara sua semiologia, previu como sendo o "tempo do foi aí". Trata-se de um tempo escrito a partir de uma gramática e de uma moral que não cabem mais nas dinâmicas de um presente avesso ao corpo, azedo com querências, carências e proteções. Garrel parece ser antídoto para a danosa ménage à trois entre o egocentrismo, a falta de poesia e a miopia com o balé do dia a dia. Super-herói literário do cineasta francês - diretor de joias como "Amantes Constantes" (2005) e "Já Não Ouço a Guitarra" (1991) -, o já citado Gide insistiria no caso de Djmela ao dizer: "há aquilo que se sabe e há aquilo que se ignora, e, entre uma coisa e outra, está aquilo que se supõe". A suposição, no caso, é de uma paixão em ebulição. Na sequência mais cálida desse poema sobre inconstâncias, a personagem (vivida com retidão por Oulaya) vai a um bar. Para no boteco num momento de apuro na espera por quem está longe. Vai pedir um cigarro a um velho atendente, para aliviar a ausência física de Luc, um aspirante a carpinteiro encarnado por Logann Antuofermo. O ancião olha a moça nervosa e anula os dengos, dizendo: "Conheci pessoas que enlouqueceram esperando". O alerta é indigesto e sem tato, soa machista, mas traduz algo da ordem do cuidado, do carinho, do zelo que as figuras grisalhas do filme demonstram com todas e todos, independentemente do gênero. Mesma medida de amparo tem o mestre da carpintaria vivido pelo finado André Wilms (1947-2022): pai de Luc, este quer dar as mãos àquelas que sofreram em relações com seu filho. Geneviève (costurada por Louise Chevillotte numa dança dos véus da delicadeza) é uma delas. Entrega-se demais a quem quer de menos.
Entretanto, Garrel não julga o moço, muito menos suas protagonistas, a quem constrói, numa troca com suas atrizes, com tridimensionalidade, evitando cair no poço do sexismo. No cinema desde 1964, quando dirigiu o curta "Os Jovens Desajustados", esse fruto tardio da Nouvelle Vague sabe que pessoas são variáveis de um X não determinado. Pelo menos não determinável por uma matemática de conexos direitos ao acerto. Na P.A. e P.G. do gostar, a equação afetiva não dá expoentes ao que não comporta metáforas. E a metáfora deste longa de madureza vem de uma comparação feita entre móveis domésticos e relacionamentos. Ambos têm encaixes, que podem beirar a perfeição, mas nem por isso deixam de ter farpas. Mas a farpa do desejo entra e salta e mata... pelo menos a monotonia. E não há lugar para o monótono num diretor que rearranja toda a nossa compreensão dos verbos "beijar", "abraçar", "comungar" na desinência a dois. Parte da letargia que se atribui ao discurso amoroso se derruba na estética garreliana pela fotografia em preto & branco (aqui clicada por Renato Berta), que nos tira do Real e nos joga num ontem travestido de hoje e calçado de amanhã. Não se usa celular para guardar números de telefone trocados em xavecos: escreve-se na mão, a tintas de caneta, na esferográfica do analógico. Goza-se baixinho para não acordar vizinhos e primos, num respeito digno de cavaleiro de armadura e de princesa de castelo. São modos à antiga. São costumes de antanho. Mas a vivência deles nos leva a uma experiência autoral singular, construída de um jeito como o cinema do momento não filma mais, sem medo da oralidade, da palavra como soluço, da língua como pincel.
p.s.: Sucesso de público e de crítica, o musical infantil "O Menino das Marchinhas - Braguinha para Crianças" vai prorrogar o Carnaval das Famílias, com duas apresentações, dias 25 e 26 de fevereiro (sábado e domingo, às 16h), na EcoVilla Ri Happy, novo espaço para crianças no Parque Jardim Botânico. O espetáculo faz parte do projeto 'Grandes Músicos para Pequenos', criado pela produtora Entre Entretenimento com o objetivo de levar para os palcos nomes importantes da cultura brasileira em montagens que mesclam biografia e canções do artista escolhido. Essas duas únicas apresentações contarão com uma versão estendida do espetáculo, com direito a bailinho após a sessão, músicas carnavalescas, boneco gigante, confete, serpentina e muita alegria no salão do teatro. Sucessos imortalizados na MPB, como "Balancê", "Cantores do Rádio" e "Pirulito que bate bate" transportam o público aos divertidos carnavais de rua da década de 1920.
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