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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Depois da Palma de Ouro, 'Triângulo da Tristeza' navega nas águas do Oscar

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Por Rodrigo Fonseca
Woody Harrelson é o capitão da nau criada pelo sueco Ruben Östlund pra simbolizar os males do capitalismo  

Rodrigo Fonseca Sem decepcionar expectativas, confirmando o favoritismo de "Os Banshees de Inisherin" e "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", com nove indicações para o primeiro e onze para o segundo, a lista de concorrentes ao Oscar 2023 fez a alegria e o júbilo de quem esperava novidade e coragem, sobretudo na presença do ácido "Triângulo da Tristeza" na láurea de Melhor Filme. Um dos mais controversos ganhadores da Palma de Ouro de todos os tempos, a comédia-denúncia do sueco Ruben Östlund concorre ainda às láureas de Direção e Roteiro Original. Protagonista do sucesso de bilheteria "M3GAN" (já em cartaz no Brasil), Allison Williams fez o anúncio de todos os concorrentes diretamente de Los Angeles, ao lado do colega Riz Ahmed, que concorreu à láurea de Melhor Ator, em 2021, com "O Som do Silêncio". Não houve chance para o Brasil. Mas, apesar de não ter havido chance pro curta brasileiro "Sideral", de Carlos Segundo, a América Latina pôs seu pezinho na competição, ao entrar no páreo do prêmio de Melhor Filme Internacional com "Argentina, 1985", de Santiago Mitre. Entre as ousadias da seleção de competidores, valem destaques: o fator de um blockbuster egresso das HQs, como "Batman", estar concorrendo em múltiplas categorias técnicas, entre as quais a de Maquiagem e Cabelo; b) a presença do fenômeno popular "Top Gun: Maverick" entre os concorrentes a Melhor Roteiro Adaptado; c) a escalação de Andrea Riseborough por "To Leslie"; d) o reconhecimento merecido dado a Brian Tyree Henry, como coadjuvante, pelo drama "Causeway" (aqui chamado "Passagem"); e) Jamie Lee Curtis ser indicada por "Tudo Em Todo Lugar...". Justíssimo. Está agendada para 16 de fevereiro a estreia no Brasil de "Triângulo da Tristeza", chamado lá fora de "Triangle of Sadness". Basta ver o resultado da festa anual do European Film Award, entregue em dezembro, na Islândia, pra saber o porquê dessa aposta no polêmico longa-metragem que abriu a 46ª Mostra de São Paulo, em outubro. Östlund conquistou as láureas de Melhor Filme, Direção e Roteiro e um dos mais potentes talentos de sua trupe, o croata Zlatko Buric, recebeu o prêmio de Melhor Ator.

 

"Eu faço cinema para incendiar discussões sobre o que está em desajuste no mundo", afirmou Östlund em Cannes. Ganhar o European Film Award é o equivalente a conquistar o Oscar do Velho Mundo. É uma premiação de prestígio sobretudo para quem filma com o apoio dos fundos europeus para a cultura. E é esse o caso desse Midas da Suécia. Desde maio, Östlund passou a integrar um seleto time de realizadores com duas Palmas. São dez ao todo. Ao lado dele estão os seguintes bambas: Ken Loach (por "Eu, Daniel Blake", em 2016; e "Ventos da Liberdade", em 2006); Francis Ford Coppola (por "A Conversação", em 1974; e por "Apocalypse Now", em 1979); Shoei Imamura (por "A Balada de Narayama", em 1983; e por "A Enguia", em 1997); Bille August (por "Pelle, o Conquistador", em 1988, por "As Melhores Intenções", em 1992), Emir Kusturica (por "Quando Papai Saiu Em Viagem De Negócios", em 1985; e por "Underground - Mentiras de Guerra", em 1995); os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (por "Rosetta", em 1999; e por "A Criança", em 2005); Michael Haneke (por "A Fita Branca", em 2009; e por "Amor", em 2012); e Alf Sjöberg (por "Tortura de um Desejo", em 1946; e por "Senhorita Julia" em 1951). Integrar esse rol é uma honra sem par. Na ativa desde 1997, quando fazia videoarte, ele explodiu em 2014, com o tenso "Força Maior", alquebrando tabus da masculinidade e da família. Saiu aclamado da Croisette. Estranhou quando o longa - refilmado nos EUA com Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell - ficou fora da disputa pelo Oscar, mas não desistiu de ser encarando como um dos cineastas de maior prestígio (ou, no mínimo, de maior visibilidade) de nosso tempo. Um cineasta que se abraça à provocação para atrair holofotes. Politizou-se ao máximo em "The Square", que arrancou de um júri presidido por Pedro Almodóvar a Palma de Ouro, dada a ele em 2017. No ano seguinte, veio a tão sonhada indicação à estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Pouco depois, iniciou o projeto "Triangle of Sadness". "Queria ter a experiência de rodar um filme no espaço fechado de um navio e, agora, no meu próximo projeto, vou filmar num avião", disse o cineasta na França. Irregular na forma, mas nada regulável em sua abrasividade, ao despejar as contradições de classe social em países endinheirados, o novo longa do cineasta é um ferocíssimo estudo sobre a soberba dos que detêm as riquezas do planeta, construído a partir de uma agilíssima estrutura de montagem. No filme, a Rússia de Putin vira saco de pancada nos diálogos, representada na figura de um milionário eslavo escroque (papel de Buri?). Woody Harrelson brilha no papel do capitão cachaceiro de um cruzeiro que vai naufragar, assim como a Europa espelhada no roteiro. Além da Palma, "Triangle of Sadness" ainda recebeu de Cannes o prêmio anual da CST - Commission Supérieure Technique de l'Image et du Son para sua engenharia sonora.

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