Rodrigo Fonseca Lançado há três anos, sem qualquer alarde em solo sul-americano, "My Name Is Thomas", também chamado "My Name Is Somebody", é um road movie de risos e lágrimas que vem ganhando novas janelas, muitas delas online, na Europa, à força da popularidade de seu astro e realizador: o veneziano Mario Girotti, mais conhecido entre nós como Terence Hill. Em meio à abertura do Museu Bud Spencer em Berlim, celebrando a memória de seu parceiro na série "Trinity", Carlo Pedersoli (1929-2016), os filmes mais famosos e os longas-metragens mais recentes de Hill estão a ser revisitados no Velho Mundo, revolvendo a mítica em torno de seu nome. Um dos melhores trabalhos dele no western, "I quattro dell'Ave Maria", de 1968, está na Amazon Prime do Brasil, abrindo oportunidade para novas gerações de cinéfilos brasileiros conhecerem seu estilo "chanchadesco" de humor e ação. Entre as décadas de 1960 e 80, ele e Spencer criaram um filão pautado em trapalhadas que sempre terminavam em tapas na cara de vilões, fosse na forma de faroestes ou na forma de policiais. Hill participa de "O Leopardo" (1963), de Luchino Visconti, e ainda fez bang bang com Sergio Leone (1929-1989), como "Meu Nome É Ninguém" (1973), escrito e produzido pelo titã dos spaghetti e dirigido por Tonino Valerii, com Henry Fonda (1905-1982) a seu lado. Dramédia doída, "My Name Is Thomas" é uma homenagem direta a esse sucesso d'outrora e é um tributo a Spencer. Parte de sua trama se passa em Almería, uma região espanhola cuja paisagem emula, em muito, o visual das pradarias americanas do Velho Oeste, o que levou Leone, Valerii e Sergio Corbucci (1926-1990) a filmarem lá suas macarronadas com molho de chumbo. O Thomas desse longa que Hill dirige e estrela é um motoqueiro solitário que tem um fardo a cumprir: cruzar a Itália até chegar a Espanha e, lá, ler um livro de tom existencialista para celebrar tudo o que perdeu. Mas, ao dar partida em sua Harley, ele esbarra com a jovem Lucia (Veronica Bitto), uma mitônoma que diz estar em viagem em busca de uma tia. Thomas (Hill) dá uma carona a ela, mas percebe, de cara, que a companhia dela é uma chave de cadeia. Chave essa que, por outro lado, abre, em seu peito, as fechaduras de velhas emoções há muito represadas.
Hill dirigiu pouca coisa desde que optou por se tornar também cineasta, em 1984, filmando o belíssimo "Don Camilo". Rodou cinco longas e uma série antes de fazer "My Name Is Thomas", sendo "Lucky Luke" (1990) seu maior acerto na direção. Mas, nessa história de Thomas e Lucia, ele esbanja domínio das cartilhas on the road e nos leva ao pranto nas cenas em que encontra rastros dos velhos westerns em Almería, compondo uma espécie de réquiem para um gênero que faturou milhões, deixou saudades e fez dele um titã de popularidade nas telonas europeias. Dá saudade das sessões dominicais das peripécias de Hill e Spencer na Globo, bem dubladas por Newton DaMatta e Silvio Navas.
p.s.: Mal acabou Cannes, onde concorreu à Palma de Ouro com "Tout s'est bien passé", baseado no livraço de tons doidamente autobiográficos de Emmanuèle Bernheim (1955 - 2017), o diretor parisiense François Ozon já emendou um filme novo para lançar este ano: "Peter Von Kant". O título já sugere escândalo - conceito que o prolífico realizador de "8 Mulheres" persegue longa-metragem após longa-metragem desde sua estreia, em 1988 - ao resgatar o cult dos palcos "Die bitteren Tränen der Petra von Kant" (1971), de Rainer Werner Fassbinder (1945-1982). As tais "lágrimas amargas", que o próprio Fassbinder filmou, em 1972, voltam agora aos cinemas numa releitura que muda os gêneros e coloca Denis Ménochet ("Custódia") à frente de uma trama antes protagonizada e coadjuvada só por mulheres. O projeto foi confeccionado às pressas, em meio à pandemia, enquanto o realizador de 53 anos colhia os louros pelo sucesso de um outro filme, "Verão de 85" ("Été 85"), selecionado por Cannes, indicado à Concha de Ouro de San Sebastián, no norte da Espanha, e agraciado com a venda de 304 mil ingressos em seu mês de estreia na França. Seu êxito comercial torna o projeto um chamariz para o encerramento do Festival do Rio 2021, com sessão online nesta sexta-feira, numa parceria entre a maratona carioca e o Telecine.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.