Rodrigo Fonseca Amigo de mestres como Bernardo Bertolucci (1941-2018) e Jonathan Demme (1944-2017), a quem conheceu ao longo de uma irretocável carreira como programador de salas de exibição, iniciada no Brasil dos anos 1960 e desenvolvida na Nova York da década de 1970, o carioca Fabiano Canosa virou uma lenda brasileira no circuito mundial de curadores de festivais e de complexos como o Public Theatre, onde abriu os olhos da América para filmes de todo o mundo. O Cinema Novo ganhou os EUA, com destaque, graças aos esforços dele, em retrospectivas lotadas. No Rio, veio dele a programação responsável pela criação da Geração Paissandu, nome dado à plateia do mítico cine localizado no Flamengo onde godardianos, truffautianos, fellinianos, vardaianos e outros fã-clubes cinéfilos se formaram. Eram tempos de ditadura e a grade de longas-metragens armada por Canosa abria cabeça. Por essas razões, as mais cosmopolitas e as mais regionais, ele vai ser homenageado esta noite, com uma maratona de festejos, no Estação NET Rio, em Botafogo. Vai ter show de cantoras, vai ter sabatina ao vivo e vai ter a exibição do filme "Viva Canosa!", dirigido em duo por Brunno Rodrigues e Cavi Borges. E já tem uma leva de famosos cantando loas pra Fabiano, incluindo a maior atriz que este país já teve: a diva Fernanda Montenegro. "Canosa é um ser celularmente ligado ao cinema. Diria que em qualquer lugar desse planeta, se houver cinema, Canosa sabe, e está presente", elogia Fernandona. "Ele nos ajudou a cultuar e 'culturalizar' todo cinema contemporâneo feito no Brasil ou fora dele. É um cinema vivo que ele nos trouxe sempre. É parte importante, parte fundamental, da introdução do nosso cinema em festivais internacionais. Sua história é linda Canosa. Estamos agradecidos a você, nós que amamos o cinema. Um imenso abraço meu neste dia". Lá de Paris, o crítico e hoje tradutor de legendas Henri Behar, umas das estrelas do "Le Monde", consagrado como o mais famoso mediador do Festival de Cannes, dá um recado ao amigo brasileiro: "Seu nome completo deveria ser Fabiano P. Canosa. O 'P' significa Paixão. Paixão por comida, pelas amizades e, sobretudo, por filmes. Quem nunca ouviu as histórias de Fabiano correndo atrás de um filme que ele considerasse negligenciado ou subestimado não sabe o que é a paixão verdadeira". Atriz consagrada, diretora autoralíssima, Ana Maria Magalhães brilhou faz pouco nas telas da Itália com seu .doc "Já Que Ninguém Me Tira Para Dançar", onde exercita a arte da preservação da memória cinéfila. Arte na qual Canosa é bamba. "Na época da minha juventude, nos anos 1960, ele alimentou a efervescência cultural do Rio com a programação do Paissandu, lotando sessões. Lá fora, em Nova York, ele foi muito importante numa época em que a Embrafilme foi a mais forte exibidora de filmes brasileiros no país, fazendo frente com a concorrência estrangeira. Ela abriu as portas do exterior para muitos de nossos filmes", diz a cineasta e atriz.
Devotando seu tempo, com fervor, a levantar uma exposição de cartões-postais sobre o RJ, Canosa sonha ter um espaço pra si, na atual estrutura da cultura do Rio, para incentivar a exibição de longas na cidade. Ao relembrar dos feitos curatoriais em sua trajetória de seis décadas de amor pela telona, ele viaja no tempo: "Quando cheguei a Nova York, no início dos anos 1970, o filme do momento era 'Love Story'. Na área nova-iorquina, a redescoberta do programa duplo era a dose dupla de que eu precisava para suprir minha sede de cinema, depois das orgias de Paris, cidade eminentemente cinéfila onde estive algumas vezes. Lá e em Cannes. Nos cinemas de arte dos EUA dos anos 1970, o que dominava a cidade era a estreia do primeiro filme de Bertolucci com sucesso internacional garantido: o sublime 'O Conformista'", conta Fabiano ao Estadão. "Uma novidade que começava a ser adotada, emulando as sessões de meia-noite, foi 'El Topo', de Jodorowsky, que Glauber, na sua temporada-relâmpago em Nova York, acusou de plágio do 'Dragão da Maldade'... com bastante razão". Esta noite, no NET Rio, Canosa terá mais causos para contar. E o nosso dever como cinéfilos é aplaudi-lo e dizer: "Obrigado por existir".
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