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Kenneth Branagh será Rei Lear no palco

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Por Rodrigo Fonseca
"King Lear": eis o anúncio do espetáculo inglês com o astro da franquia Hercule Poirot - Foto: Wyndham's Theatre

RODRIGO FONSECA Com dois longas inéditos em seu currículo como ator para estrear este ano - "Oppenheimer" e "A Noite das Bruxas", do qual também é diretor -, o irlandês Kenneth Branagh vai estrelar uma versão de "Rei Lear", de Shakespeare, no Wyndham's Theatre, no West End, em Londres, a partir de 21 de outubro. O elenco ainda não foi definido, mas sabe-se que serão feitas 50 apresentações do espetáculo na Inglaterra antes de ele partir para os EUA, no Shed's Griffin Theatre, na Broadway, em 2024. O astro e cineasta, hoje com 62 anos - e que foi o ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Original em 2022, com "Belfast" -, chegou a trabalhar numa montagem do texto shakespeariano em 1990. Ele define a saga de Lear - um pai às voltas com a divisão de suas posses entre os filhos, alguns de caráter duvidoso - como uma estrutura narrativa mais do que pertinente a tempos "sem perdão", como os nossos, que, segundo ele, "são marcados por polarizações de ódio e de julgamento". Vários bons filmes rodados por Branagh podem ser alugados na Amazon Prime, como "Voltar a Morrer" (1991), "Hamlet" (1996) e "A Pura Verdade" (2018). Vale lembrar que foi ele quem dirigiu o primeiro filme da franquia "Thor", em 2011, pra Marvel. Atualmente, rola ver o belo "Belfast" no Globoplay, em parceria com o Telecine. Vale conferi-lo. É exercício mais maduro de Kenneth como realizador, lançado em circuito ao mesmo tempo em que ele firmava seu nome, como ator e cineasta, na frente e atrás das câmeras, na franquia Hercule Poirot, de Agatha Christie, com "Morte no Nilo". Em "A Noite das Bruxas", ele vive Poirot de novo. Fofo do começo ao fim, "Belfast" é uma trama sobre contradições geopolíticas irlandesas, temos uma narrativa personalíssima, que se debruça sobre suas vivências, seu passado. É quase um filme-vitrola, regado a Van Morrison. Numa das faixas da trilha sonora, o cantor solta a voz ao recitar: "When it's not always raining /there'll be days like this / When there's noone complaining /there'll be days like this /Everything falls into phase /like the flick of a switch /Well my momma told me / there'll be days like this". Em bom português: "Dias Como Esse/ Quando não está sempre a chover/ haverá dias como este / Quando não há nenhuma queixa / haverá dias como este / tudo cai em fase / como o apertar de um botão / Bem, minha mãe me disse / que haverá dias como este". Assim é a Irlanda do Norte de Branagh. Uma Irlanda do Norte que ferve em três belas sequências, onde o virtuosismo da fotografia P&B de Haris Zambarloukos atinge um parâmetro de excelência sem parecer artificial. Duas dessas sequências são ligadas ao chamado The Troubles, movimento separatista que cindiu aquele país de 1968 a 1998, numa divisão entre católicos e protestantes que ia além de credos, resvalando por elementos de ocupação espacial. E o terceiro grande momento dessa enxuta (98 minutos) viagem no tempo envolve uma situação de canto e dança na qual o ator Jamie Dornan, da trilogia "50 Tons de Cinza" (2015-2018), dá um banho de carisma no espectador, compondo um personagem que nos serve de bússola. Ele é o pai do menino Buddy (Jude Hill), o protagonista... a criança que faz deste filme uma atração memorável... esculpida por Branagh como seu alter ego. Um alter ego que simboliza a perda da inocência em uma época de conflitos políticos aditivados a bombas caseiras, paus e pedras. Buddy vê sua Irlanda inflamar qual fosse um furúnculo da História. E nós, seus interlocutores, assopramos sua ferida, atônitos diante do marejo de seus olhos.

"Belfast" foi laureado com o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2022 - Foto: Rob Youngson/Focus Features

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Há, sim, um gosto de uma formatação genérica nesse novo trabalho de Branagh, com conexões um tanto quanto forçadas com as cartilhas de "Como Era Verde o Meu Vale" (1941), "Esperança e Glória" (1987) e mesmo o pouco citado "In America" (2002), de Jim Sheridan. Mas, no equilíbrio de matizes do preto e do branco e no requinte dos enquadramentos, a maestria de Branagh no roteiro e na condução dos planos supera sabor de café requentado, no canto da boca, que fica ao fim da projeção. O que fica de lastro da longa é o estudo de uma pátria em convulsão e relevância da tolerância para se resistir à atomização da paz cotidiana. Ainda que a tolerância em questão não seja vista em nível macro (estendida ao bem-estar social dos irlandeses) e, sim, circunscrita a uma única casa de classe média baixa, adotada como um microcosmos, retratado na direção de arte de Jim Clay num viés naturalista. Ou seja, todos os ambientes parecem cortiços. E num deles, emerge Buddy e os seus. Seu pai galante (Dornan), sua mãe coragem (vivida pela tremenda atriz irlandesa Caitriona Balfe), a vovó meio peralta encarnada por Judi Dench e um vovô batuta, encarnado com charme por um Ciarán Hinds que rouba para si todas as cenas. Ao retratar um périplo de educação pela pedra, Branagh abre mão de todos os badulaques teatrais shakespearianos que fizeram sua fama nos anos 1990 e molda voz própria. Autoral.

p.s.: Às 22h30 desta sexta-feira, a TV Brasil exibe "Boleiros 2: Vencedores e vencidos" (2005). É um dos filmes mais contagiantes de Ugo Giorgetti. O futebol é o tema central de conversas que são resumidas em três histórias: a do falso argentino Rafael Benitez (Petrônio Gontijo); a do misterioso Nestor (Walter Portella), que retornou recentemente do México e quer convencer a todos de que foi um grande jogador; e a do assistente-técnico Barbosa (Duda Mamberti), que tinha várias ideias na cabeça, mas jamais conseguiu colocá-las em prática.

p.s.2: Vai ter pré-estreia de "Bem-Vinda, Violeta" nesta quarta-feira, às 19h30, no Estação NET Rio, em Botafogo, seguida de debate com o diretor Fernando Fraiha, a atriz Débora Falabella e o professor de Cinema Brasileiro, Literatura e Cultura Brasileira da PUC-Rio, Sergio Mota. Os ingressos podem ser adquiridos no site Ingresso.Com ou presencialmente.