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Mimoso, 'Império da Luz' ilumina o Cine Odeon

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Por Rodrigo Fonseca
Em atuações precisas, Olivia Colman e Michael Ward mergulham nas águas de um litoral inglês infestado de intolerâncias em "Império da Luz" Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Numa entrevista que concedeu ao Globo, em 2009, numa época de escassez de alento em sua carreira anfíbia, capaz de respirar no palco e na tela grande, Sam(uel Alexander) Mendes, um inglês cujos avós vêm da população portuguesa de Trinidad, usou a recriação histórica de seu precioso "Foi Apenas Um Sonho" ("Revolutionary Road", 2008) para dizer: "Toda versão que o cinema faz do passado é sempre uma contingência ficcional alegórica, que se baseia apenas em achismos sobre o que foi o Ontem, pois qualquer leitura dele não substitui a falta empírica de convivência com a matéria pretérita". Ou seja: filmes de época são sempre supostamente reais, sempre submissos a uma variável do X da hipótese. Fiel a esse preceito o homem que deu à franquia 007 sua obra-prima, "Skyfall", há dez anos, investe em "Império da Luz", que abriu o 24º Festival do Rio, na quinta-feira, como um sopro de intimismo. É uma volta para um período pouco contextualizado pelo cinema britânico: o período do início da década de 1980 em que o regime de cinto apertado da economia de Thatcher irrigou a lavoura do ódio. O filme - "Empire of Light", no original - vai até 1981, numa cidadezinha litorânea da Inglaterra onde a sala de projeção Empire é a maior diversão e, também, um analgésico para os males da falta de pertencimento afetivo. Temos um potente ataque ao racismo feito por Mendes ao expor a fora como skinheads daqueles anos atacavam as populações negras. Michael Ward brilha com sua precisão de algebrista ao compor o aspirante a universitário Stephen, que vai trabalhar no time de funcionários do Empire e segue a intolerância acossá-lo. Mas, naquele quase multiplex de duas salas, pertencente ao Sr. Ellis (Colin Firth, com desenvoltura de mosqueteiro), o rapaz vai provar do amor também, enchendo de viço os dias vazios de Hilary, papel que pode (e deve) levar Olivia Colman a mais um Oscar. Ela traz ao longa ainda uma discussão sobre crise nervosa, inerente a uma faceta psiquiátrica obliterada pela desconexão com o real. Mas o que mais salta aos olhos é a maneira como Mendes - calcado numa fotografia grandiloquente de Roger Deakins ¬- aproveita a arena central de sua dramaturgia - um complexo exibidor - para esboçar um "Cinema Paradiso" particular muito peculiar.

 Foto: Estadão

Homenageando clássicos e cults dos anos 1980, citando de "Irmãos Cara-de-pau" a "Touro Indomável, ele revive uma década a qual se dá pouco valor, fazendo uma ode a Hal Ashby (1929-1988), o Carlos Drummond de Andrade do Cinema Novo americano, a tal de Nova Hollywood ou Easy Rider Generation. Sua obra, que explode no imaginário cinéfilo com "Ensina-me a Viver" (1971) e "Amargo Regresso" (1978), dá argamassa para muitas ideias que movem seus contemporâneos, Scorsese e Spielberg, acerca do retrato do querer. "Ashby foi o cronista do sentimento, que amou como a gente não foi capaz de amar", disse Spielberg ao P de Pop, em 2012. Dele, Mendes puxa um filme em especial, que não pode ser citado aqui para não estragar surpresas. Uma surpresa que firma a personagem de Colman como uma "Rosa Púrpura do Cairo" às avessas. Nela não há o apreço pela imagem filmada e, sim, pela poesia, de Auden & cia. Mas o cinematógrafo vai sorrir pra ela, como fez para a plateia de um inflado Odeon. Ah... de Ashby rola até Cat Stevens, no gatilho para uma gramática de quereres.

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