Rodrigo Fonseca Embalado em elogios conquistados durante sua passagem pela Quinzena dos Realizadores de Cannes, "Amante Por um Dia" ("L'Amant d'un Jour", 2017) teve uma avassaladora passagem pelo festival francês que, este ano, tem todas as razões para acolher o trabalho inédito de seu realizador, Philippe Garrel: o esperado "La Lune Crevée". Na primeira chamada do evento, não houve menção ao título. Mas espera que ele entre nos próximos anúncios do evento. Até lá, é possível matar as saudades do aclamado realizador francês via MUBI, que acolheu a joia que ele lapidou há cinco anos em sua grade. Apoiado na fotografia em P&B de Renato Berta, o belo "Amante..." é um ensaio poético sem cores sobre uma das obsessões da vida e da arte do diretor de "A Fronteira da Alvorada" (2008): o ciúme. Inferno a dois, a possessividade é um dos assuntos que mais instigam este autor cinematográfico - aliás, um dos mais cultuados da França - hoje com 73 anos. "O que me atrai a falar de amor é o meu interesse pela vida, organizado a partir de uma lição dos surrealistas, a partir das minhas leituras de André Breton, que mostrou que os sentimentos são moldados pela maneira como nos comportamos em sociedade. Li essa mesma lição em Freud. Eu falo do ato de amar pelo prisma do comportamento", disse Garrel ao Estadão num papo em dezembro, quando seu "Lágrimas de Sal" esteve no Festival do Rio.
Dele, o www.mubi.com exibe ainda "À Sombra de Duas Mulheres" (2015). "Meus filmes custam o equivalente ao preço de cerca de seis horas de película. Não filmo em digital. Eu rodo filmes com um tipo de película fabricada no leste da Alemanha, que foi muito popular no cinema russo. Filmo poucos takes de cada cena, sempre. E convido meus alunos do Conservatório Nacional de Teatro para trabalharem no meu elenco. O fato de ter pouca película para usar me obriga a ser preciso. Meus filmes são confeccionados quase que artesanalmente. Eu "fabrico" narrativas. E eu não tenho produtor. Eu me produzo", disse o cineasta, descrito na Europa como um fruto tardio da Nouvelle Vague, premiado em Cannes por "Liberdade, A Noite" (1984). Em "Amante Por um Dia", ele acompanha o desafio de um homem (o também diretor Eric Caravaca) para domar o ciúme de sua filha por sua nova namorada - vividas por Louise Chevillotte e Esther Garrel, filha do cineasta. Ambas as personagens têm 23 anos e demandam dele exclusividade. "Estou sempre aberto a falar sobre meus filmes e a ouvir sensações que eles produzam", diz o diretor. "Vivemos uma época de perigo, por conta da intolerância, mas é preciso desconstruir todos os muros que segregam o diálogo".