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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Não! Não olhe!' pro lado, nem 'Corra!', foque em Jordan Peele

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Por Rodrigo Fonseca

O cineasta e produtor Jordan Peele em foto de Glen Wilson/Universal Pictures, no set de "Nope" Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Neste Dia da Consciência Negra, data de celebrar a luta contra o preconceito racial, a TV Globo vai exibir "Corra!" ("Get Out", 2017), de Jordan Peele, em sua programação, logo após o humorístico "Vai Que Cola!", ali pelas 23h50. Mas o barato para esta efeméride de resiliência é poder conferir o longa-metragem mais recente (mais arriscado e mais provocativo) de Peele em casa, via aluguel no YouTube. Já tem "Não! Não Olhe!" ("Nope") lá. Com uma bilheteria estimada em US$ 170 milhões, esse thriller de horror sci-fi é a produção até hoje mais cara (cerca de US$ 68 milhões) sob a direção do ator, produtor, roteirista ganhador de Oscar e cineasta a aterrissar no circuito brasileiro. É um filme de monstro, numa certa medida. Uma medida crítica (ao American Way of Life) e política como tudo o que ele faz. Há um chimpanzé raivoso e destrutivo, que em distintos momentos de sua narrativa deixa a plateia enervada. Mas ele é só um detalhe do passado de um personagem... ou não. Mais assustadores são os seres que mais parecem um ser marinho (uma caravela) e surgem do espaço, a partir de nuvens carregadas, ameaçando a paz em um rancho, levando pro alto (ou sabe-se lá onde) os animais de uma dupla de treinadores de cavalos: Emerald (Keke Palmer, em genial atuação) e seu irmão OJ (Daniel Kaluuya, igualmente impecável). Os dois testemunham horrores diversos. Mas nenhum que sobrepuje a monstruosidade da injúria racial do povo americano. Ou seja, seu filme é uma sociologia do assombro. Mais preciso dos cronistas da Era Donald Trump - tão preciso que escolheu o terror como seu gênero de expressão -, Peele, um nova-iorquino de 43 anos, fabrica alegorias fazendo da exclusão seu objeto de análise, escalando protagonistas negras e negros, numa ponte (evolutiva) com a tradição aberta por George A. Romero em "A Noite dos Mortos-Vivos" (1968). O já citado "Corra!", produção de US$ 4,5 milhões cuja bilheteria beira US$ 255 milhões, deu a ele uma estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood - o de melhor roteiro original - por um exercício sociológico sob um disfarce de thriller de horror. Ali, ele denunciava os dispositivos de estruturalização do racismo numa América que se pauta sob o conservadorismo e a intolerância. Esse estudo de dinâmicas volta em "Nós" (2019), seu segundo longa, com uma potência formal amplificada, na comparação com seu sucesso anterior. Custou US$ 20 milhões e faturou US$ 255 milhões. Sua engenharia sonora era mais refinada do que "Corra!", sua montagem tem mais precisão na cadência do suspense e os sustos são mais generosos (e arrepiantes).

Manos Haywood em ação: Keke Palmer e Daniel Kaluuya Foto: Estadão

Trump caiu, entrou Biden, a pandemia confinou o mundo, mas o racismo seguiu e segue em metástase pelo mundo. Daí a relevância de "Não! Não Olhe!". O filme segue nessa linha formal evolutiva do realizador, mas é, em certa medida, seu longa mais cinéfilo. Sua base é uma série de fotografias animadas de 1878 - considerada uma das primeiras edições de imagens em movimento da História - chamada "Sallie Gardner at a Gallop". O título faz referência ao nome de um cavalo. Os dois jóqueis retratados são C. Marvin e G. Domm. Estima-se que ambos eram cavaleiros negros ligados às corridas de Kentucky Derby. Na trama, Emerald se refere a um dos jóqueis como seu ancestral e se refere a uma experiência visual do fotógrafo e pioneiro da direção de cinema Eadweard Muybridge (1830-1904) como sendo o autor daquelas fotos in motion. É já uma referência à objetificação dos corpos e da pele negra. Emerlad e OJ costumam ser contratados por estúdios que necessitam de cavalos treinados, mas nem sempre são tratados com respeito. Prestam seu serviço também ao parque temático rural de um ex-ator, uma espécie de Beto Carrero chamado Jupe (Steven Yeun, de "Minari"). Ele é a conexão com o chimpanzé citado no início desse texto e que aparece no longa como um signo do descontrole, da mesma forma como outros animais perdem o prumo quando uma estranha manifestação alienígena se faz notar sobre o rancho de Emerald e seu mano. No entanto, na contramão do que se vê aos borbotões no cinema pipoca, OJ e Emerald não querem matar o ser estelar. Querem apenas provar que ele existe, registrá-lo, incorporá-lo às memórias de seu mundo. Daí recorrerem ao cinema, representado pela figura de um diretor de fotografia nada convencional, interpretado espetacularmente por Michel Wincott, ator canadense que assombrava os anos 1990 como o vilão de "O Corvo" (1994). Sua câmera é sua verdade. É sua ferramenta de inclusão. No Brasil, Ricardo Schnetzer dubla Wincott. Na dublagem dos irmãos Haywood, Carina Eiras e Renan Freitas dublam Keke e Kaluuya.

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