RODRIGO FONSECA Tem um gostinho de X-Men, de Incal e até de Filhos da Esperança na calda quente de cultura pop com o qual o thriller húngaro Jupiter's Moon é servido aqui em Cannes, na briga pela Palma de Ouro, na qual ele impôs já um forte candidato ao prêmio de melhor ator: Merab Ninidze. A direção é de Kornel Mundruczó, freguês daqui, que sempre pareceu muito fraquinho em frequência narrativa, mas agora mostra uma força singular no domínio de cartilhas de gênero, a começar pela fantasia. Tem em seu filme cenas de perseguição de carro dele capazes de evocar Drive (2011). Mas o impacto dele obriga a falar (com reverência) de um português que pôs Mundruczó no mapa: o crítico João Antunes.
Em 18 anos de estrada profissional, o P de Pop poucas vezes encontrou, em língua portuguesa, um texto que tão bem alimentasse o seu olhar e sua reflexão - isso no seio da imprensa cinematográfica - quanto a prosa de Antunes. Em 2008, ele foi júri da Fipresci, a Federação Mundial de Críticos, e deu o prêmio daquela instituição a Delta, um dos primeiros trabalhos de Mundruczó. Ninguém deu bola pra Delta na época. Só Antunes. Por isso, sempre que o realizador húngaro voltava à praça cannoise, alguém encarnava: "É culpa do João". Mas hoje, ao fim da sessão de Jupiter's Moon, não houve razão de encarnar em João e sim de agradecê-lo por sua sabedora. Sim, Antunes, meu véio, você estava certo: Mundruczó fez um filmaço. Filmaço que parece até um filme de super-herói, por ter um personagem voador.
Misto de fantasia, suspense e denúncia política, Jupiter's Moon acompanha a ciranda de perigos em que o refugiado Aryaan (Zsombor Jéger) se envolve após ser baleado gravemente e descobrir que pode não apenas renegenerar suas feridas como pode flutuar. Um médico alcoólatra e decadente, incumbudo de cuidar de imigrantes ilegais, o dr. Stern (o ótimo Ninidze, um sosia do cantor Nazi, ex-Ira), tentará tirar proveito dos dons do rapaz, seu paciente. Mas, aos poucos, os dois vão travar uma amizade cerzida a desabafos que expõem as feridas abertas do Velho Mundo. Seu roteiro soma magia e combatividade.