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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Paul Verhoeven em revista e em ação

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Por Rodrigo Fonseca

RODRIGO FONSECA Tomado por "Thor - Love and Thunder" e "Elvis", o circuito exibidor de Amsterdã dá pouco espaço para o cinema local neste momento em que uma única comédia holandesa parece dar as cartas entre os espectadores da cidade: o terceiro tomo da franquia "Bon Bini Holland", com Jandino Asporaat. É uma celebração da vida noturna da Holanda, com uma série de trapalhadas de jovens personagens. Fora isso, tem Ildikó Enyedi em cartaz por lá, com "A História da Minha Esposa", que concorreu em Cannes, em 2021, e mais um punhado de longas de terror, como "O Telefone Preto", com Ethan Hawke, e "Speak No Evil". E há uma mostra, no Eye Filmmuseum, com Denzel Washington. Fora isso, a cidade sente falta de produções locais de seu mais aclamado realizador, Paul Verhoeven, hoje com 84 anos. Um de seus últimos filmes a ser rodado em seu país natal, "A Espiã" ("Zwartboek", 2008), está, hoje, no catálogo da Amazon Prime. Recentemente, a revista "Sight & Sound" dedicou uma capa ao cineasta, numa edição em que ele é entrevistado pelo realizador de "Aquarius" (2016), o pernambucano Kleber Mendonça Filho. Nos últimos anos, ele passou a trabalhar com produções francesas. A mais recente delas é o polêmico "Benedetta". Em parte, a bizarrice que se passa entre as clérigas do diretor de "Instinto Selvagem" (1992) vai muito além de instintos sexuais represados: basta a cena de uma freira enfiando a mão de uma "irmã" em uma panela fervente para que se tire o atestado de estranheza daquela instância de oração. E parte da brutalidade que ali se dá vem de uma genealogia da moral e, sobretudo, de uma genealogia cinéfila, que Verhoeven buscou na própria história do audiovisual. O ancestral mais antigo do longa-metragem protagonizado por uma Virginie Efira em estado de graça é "Häxan", produção dinamarquesa de 1922, muda, que foi relançada em 1968, com o título em inglês "Witchcraft Through the Ages", a fim de retratar um sabá concebido pelo cineasta Benjamin Christensen (1879-1959) com a presença de freiras. Esse resgate, na década de 1960, uma era de contracultura, alimentou na seara B da indústria cinematográfica o interesse em se criar o chamado "nunexploitation", longas nos quais freiras com tensões sexuais latentes explodiam seu eros em acessos de fúria ou em ritos de possessão demoníacos. "A Monja e o Demônio" (1973), de Domenico Paolella, é um dos parâmetros desse filão.

Bartolomea (Daphne Patakia) cai de amores por Benedetta (Virginie Efira), na Toscana dos 1600 Foto: Estadão

Em gestação há cerca de cinco anos, desde que "Elle" mobilizou o planeta a partir da singular atuação de Isabelle Huppert, "Benedetta" nasceu como uma erótica leitura das pesquisas de Judith C. Brown, em seu livro "Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy". Suas páginas têm como foco uma freira milagreira e orientação sexual homoafetiva. Mas não é só na prosa de Judith que a personagem de Virginie se inspirou. Há "nunexploitation" sob as batinas retratadas pelo cineasta com uma direção de arte sempre excessiva, resvalando na parentela com iguarias (por vezes indigestas) como "Flávia, a Freira Muçulmana" (1974), de Gianfranco Mingozzi (com a cearense Florinda Bolkan), ou "A Freira Assassina" (1979), de Giulio Berruti, com Anita Ekberg. Verhoeven revisita as cartilhas dessa estética, mas impõe seu traço particular - a percepção de um desvario social pesando sobre as relações afetivas - e se apoia no talento mastodôntico que Virginie. Verhoeven desenvolve agora um novo thriller erótico, "Young Sinner", e uma série, "Bel Ami".

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