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Pinóquio leva verdade ao Globo de Ouro

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Por Rodrigo Fonseca
 Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Em meio à celebração das oito indicações de "Os Banshees de Inisherin" ao Globo de Ouro de 2023, uma animação brilhou nas indicações da Hollywood Foreign Press Association (HFPA) do mesmo que vem brilhando na grade da Netflix: "Pinóquio de Guilhermo Del Toro". A joia que o diretor mexicano lapidou concorre aos troféus de melhor longa animado, melhor trilha sonora (composta por Alexandre Desplat) e melhor canção ("Ciao Papa"). É a consagração do diretor revelado ao cinemão há 30 anos, com "Cronos". Uns nove meses depois de ter conquistado um par de Oscars por "A Forma da Água" (Leão de Ouro de 2017), o mexicano Guillermo Del Toro estava quase desistindo de filmar "Pinóquio" - a animação mais arrebatadora de um ano que vem sendo deslumbrado pelo "Perlimps", de Alê Abreu - quando a Netflix ofereceu a ele meios de filmar, bancando um elenco estelar, com Tilda Swinton, Christoph Waltz e John Turturro. É autoralíssima essa releitura do realizador de "Hellboy" (2004) para o livro "Pinocchio" (1883), de Carlo Collodi Lorenzini (1826-1890) e Enrico Mazzanti (1850-1910). O que se vê é um desbunde. É musical, é aventura... tudo em stop motion (a técnica de "Fuga das Galinhas", na qual objetos são animados quadro a quadro, aparentando movimento)... e tudo com o rastro autoral funéreo e sóbrio de Del Toro. A direção de arte tem visual amadeirado, em sintonia com seu protagonista, um boneco de pau que ganha vida. E é uma direção que foge totalmente de qualquer marca em comum com o desenho animado da Disney de 1940 - e com a sua infeliz recriação live action feita por Robert Zemeckis, este ano, para o streaming de Mickey Mouse. O Disney + tem lá o insosso Geppetto de Tom Hanks. Já o Geppeto da Netflix é dionisíaco do começo ao fim. E, nele, Pinóquio parece mais o Groot de "Guardiões da Galáxia" do que com a figura com visual de estudante de liceu apresentada por Walt Disney há 82 anos. E tudo se passa no contexto da Itália fascista da II Guerra Mundial. Em 2018, ao ser convidado para uma masterclass no Festival de Marrakech, Del Toro explicou o que pretendia (e fez): "Vou levar a história do boneco de madeira que precisa se humanizar para poder ser amado para o contexto do fascismo italiano, para a Itália de Mussolini. Será uma fábula política pois precisamos mais do que nunca de metáforas. É por meio de parábolas que as religiões se edificam. E, neste momento em que a Humanidade vive numa guerra de ficções, a partir das fake News que são inventadas nas redes sociais, produzindo uma lógica onde tudo é maniqueísta, uma parábola humanista pode trazer outros conceitos. Pinóquio sempre me fascinou por encarnar a imperfeição, não apenas no ato de mentir, mas por ser uma espécie de Frankenstein de pau, um monstro típico daqueles que eu adoro".

Sebastián J. Crickett, o Grilo Falante, é dublado aqui por Felipe Grinnan  Foto: Estadão

O que o cineasta - numa codireção com Mark Gustafson - faz com Pinóquio é algo similar à operação estética feita por Francis Ford Coppola com o Conde Dracula, há 30 anos. Até Gary Oldman aparecer, ora de coque branco, ora de cartola e óculos escuros, no papel do empalador da Transilvânia, o signo que traduzia o vampiro era uma figura de terno e capa, como Bela Lugosi (1882-1956) o eternizou em 1931. Coppola promoveu uma ressignificação. Del Toro faz o mesmo, apoiado nua discussão sobre a História da Itália em que Il Duce em pessoa, ou seja, Mussolini, cruza com Pinóquio. E tudo nos é narrado por Sebastián J. Cricket, o Grilo Falante, esplendidamente interpretado por Ewan McGregor, só com recursos de voz. Mas que voz! São dele as melhores canções e os melhores diálogos, ainda que Cristoph Waltz também brilhe como o mestre das marionetes Volpe. Nos acordes de Desplat, os dois cantam que é uma beleza. E David Bradley também brilha no elenco, fazendo de Geppetto uma figura trágica. No Brasil, o brilhante Felipe Grinnan dubla o Grilo. E Carlos Silveira cede o gogó a Geppetto. Há muitos filmes bons na mira do Globo de Ouro, como "Argentina, 1985", com Ricardo Darín, no páreo de melhor filme de língua não inglesa. Ganhador da Palma de Ouro em Cannes, em maio, "Triângulo da Tristeza", sátira ao capitalismo falada em inglês, pilotada pelo diretor sueco Ruben Östlund, concorre em duas categorias: melhor filme de comédia e atriz coadjuvante, representado pela filipina Dolly De Leon.

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