Rodrigo Fonseca Clássico absoluto das HQs de ficção científica e fantasia, "A Casta dos Metabarões" está nas livrarias e gibiterias brasileiras, numa luxuosa edição da Pipoca & Nanquim, que compila uma das fases mais geniais da carreira quadrinística do multiartista (e põe multi nisso!) Alejandro Jodorowsky, um escritor, cineasta, ator, tarólogo e xamã chileno, hoje com 94 anos. Objeto de culto no universo dos gibis, com joias como "O Incal" e "Bouncer", ele terá destaque no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo (CCBB-SP), nesta quinta-feira. Às 18h, deste 30 de março, o Festival Internacional Cinema e Transcendência vai exibir o longa-metragem mais recente desse mítico (e místico) realizador: o documentário "Psicomagia - a arte da cura" (2019). É um filme sobre uma "ciência xamânica" desenvolvida por ele a partir de uma percepção de paradoxos. "O modo de um indivíduo fazer as pazes com seus desejos é converter seus medos, entre eles a timidez, em potência, celebrando a diferença. Se você tem problema com o próximo, viva como o próximo, para ter uma noção de quem ele é", disse o cineasta em entrevista ao P de Pop, em Cannes, em 2018, quando passou em revista seus filmes mais consagrados.
Sua obra-prima nas telas é o western metafísico "El Topo" (1970). "Existia naquele tempo o faroeste arquetípico, que não passava de uma afirmação de conquista, de submissão e de imperialismo. Nos anos 1970, eu acreditei que o gênero poderia ir além disso se tivesse alma. Tudo transcende pela alma", disse o diretor ao Estadão, carinhoso com os fãs brasileiros que conquistou em sua passagem pelo país em 2007, numa mostra do CCBB-RJ. Em 2016, a editora Gryphus lançou no Brasil a coletânea de ensaios "A jornada espiritual de um mestre", em que Jodorowsky explica a gênese de seu xamanismo. É essa prática xamânica que dá base às páginas da HQ "The Sons of El Topo", lançado no fim da década passada. Aluno do mímico Marcel Marceu (1923-2007) e colega de dramaturgos como Fernando Arrabal (autor de "O arquiteto e o imperador da Assíria"), Jodorowsky brilhou ainda no cinema com longas como "Santa sangre" (1989) e "A Montanha Sagrada", ganhador de uma menção especial no Festival de Taormina, em 1973. Chegou a ganhar uma láurea honorária pelo conjunto de sua obra no prestigiado Festival de Stiges, na Espanha, em 2006. "Viajei o mundo cartografando ânsias e sentimentos e filtrando esse aprendizado nas artes e no meu contato com o xamanismo. Já trabalhei muito com teatro, no México e na França, ao lado de Arrabal e outros grandes, na busca por uma desconstrução dos cânones do palco, na busca por novas formas de encenação pelas vias da vivência. Mas uma peça raramente se torna um fenômeno mundial, que consegue alcançar vários lugares ao mesmo tempo, como os filmes fazem, ou como os quadrinhos conseguem. E existem mensagens que precisam se propagar rápido pelo mundo, sem concessão ou permissão oficial", disse Jodorowsky em Cannes. "Escrevo quadrinhos para sobreviver e pelo prazer da invenção. É uma mídia que ainda cultua a fantasia, sem culpa de sonhar". No encerramento do festival Cinema e Transcendência, no dia 16 serão exibidos "Cavalgada à Pedra do Reino: Missão e Festa de Ariano Suassuna", de Inez Viana, e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", que deu a Glauber Rocha (1939-1981) o prêmio de Direção em Cannes, em 1969.
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