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'R.M.N.': Primavera Romena em San Sebastián

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Por Rodrigo Fonseca
Cristian Mungiu, um dos carvalhos da Primavera Romena, em Donostia - Foto de @Pablo Gómez Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Maior injustiçado da competição de Cannes em 2022, "R.M.N.", do romeno Cristian Mungiu, acaba de chegar a San Sebastián demolindo convenções morais do Velho Mundo. Um dos pontos mais altos da competição pela Palma de Ouro deste ano, o filme é uma espécie de "Édipo Rei" contemporâneo, mas sem Jocasta, nem incesto. A sigla usada em seu título é um acrônimo para "ressonância magnética" e é, também, sinônimo de Romênia. Seu protagonista, Matthias (Marin Grigore, taciturno), é um trabalhador informal que volta à sua Transilvânia natal após uma temporada na Alemanha. Chegando na terra do Drácula, ele percebe que: a) seu filho pequenino parou de falar depois de um susto que ninguém sabe qual foi; b) ataques de ursos atiçam a vizinhança; c) o misto de panificadora e laticínio de sua aldeia está empregando imigrantes do Sri Lanka, o que desagrada a massa racista da região; e d) um enforcamento vira uma mácula na paz local. Dali pra frente, Matthias vai iniciar uma investigação que pode levá-lo a verdades sobre ele mesmo. "Os filmes que eu faço não são inspirados pelo cinema, em si, as, sim, pela realidade ao meu redor, construindo-se a partir de muitas camadas de som, que eu vou construindo ao longo da finalização, a fim de provocar sensações, sem impor ao espectador juízes morais meus", disse Mungiu ao Estadão. "Neste filme eu tento discutir o quão irracional é o afeto". E 2007, Mungiu deu à Romênia sua única Palma (até agora), com "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", falando de aborto num país amordaçado em trapos da Cortina de Ferro. "Cinquenta anos de comunismo impediram o mundo de conhecer quem somos. Acreditam que a gente fala russo, que lá sempre é muito frio e que o Conde Drácula está entre nós", diz Mungiu, cujos sucessos posteriores, ambos laureados em Cannes, como "Além das Montanhas" (Prêmio de Melhor Roteiro e Atriz, em 2012) e "Graduação" (Melhor Direção, em 2016), regaram a chamada Primavera Romena. "Rodei o filme na Transilvânia inspirado por um fato real, mas movido pelo interesse de falar de uma região que mistura um dos maiores caldeirões étnicos do mundo".

Cena de "R.M.N.", com Matthias e seu filho nas águas da Transilvânia Foto: Estadão

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Uma outra importação de Cannes promete fazer barulho em Donostia (o nome San Sebastián na língua local, o Euskera) é "Corsage", de Marie Kreutzer, egresso da Áustria. Cada vez mais gigante em cena, a cada novo filme, a luxemburguesa Vicky Krieps, revelada em "Trama Fantasma" (2017), encarna a imperatriz Elisabeth da Áustria ()1837-1898), apelidada de Sissi, como um espírito inquieto que encara xenofobias e ilusões afetivas em busca do desejo de afirmação. A direção de arte de Monika Buttinger estonteia, galvanizada pela luz da fotografia de Judith Kaufmann. Vicky foi laureada na Croisette por seu desempenho. Falando em títulos austríacos, esse país passa sufoco em San Sebastián graças a Ulrich Seidl e seu "Sparta", file sobre pedofilia que nasceu proscrito (mesmo tendo sido selecionado para a competição pela Concha de Ouro do evento espanhol) por conta de polêmicas de bastidor. O realizador de "Safári" (2016), polemista profissional, é acusado de não ter avisado seu elenco juvenil do contexto espinhoso do longa. A acusação pode ou não se materializar em sentença a depender da Justiça. Mas, na tela, o que se recebe de Seidl é uma narrativa indigesta, quase constrangedora, na qual um homem na casa dos 50 anos, Ewald (Georg Friedrich), corre atrás de meninos sem camisa, jogando bola com eles ou ensinando judô.

"Piaffe" foi importado de Locarno Foto: Estadão

Exibido na competição oficial pelo Leopardo de Ouro de Locarno, "Piaffe", de Ann Oren, listado na edição de setembro da revista "Cahiers du Cinéma" como um dos achados europeus de 2022, está fazendo barulho e San Sebastian, na mostra Zabaltegi-Tabakalera: Um clima de mistério digno do cinema de Apichatpong Weerasethakul se faz sentir nesta crônica urbana, nas raias do extra-ordinário, a tendência do momento na fantasia, na qual fatos inusitados ocorrem, sem explicação. Neste caso, tudo envolve uma relação entre irmãs. Abalada pela crise nervosa de sua mana, Eva assume um trabalho como captadora de som na filmagem de um comercial. Mas seu corpo vai entrar em mutação. E é uma mutação que faz seus sentimentos desabrocharem. San Sebastián termina no dia 24, com a entrega de prêmios e a projeção de "Marlowe", um thriller noir com direção de Neil Jordan, estrelado por Liam Neeson.

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