RODRIGO FONSECA De meados dos anos 2000 pra cá, a história da crítica de música em nosso país - marcada por titãs como Tárik de Souza, José Ramos Tinhorão, Antônio Carlos Miguel, Júlio Maria, Christina Fuscaldo, Silvio Essinger, Jotabê Medeiros, Carlos Albuquerque, Bernardo Araújo, Luiz Fernando Vianna e mais uma leva de mentes pensantes - foi arejada pelo texto vívido, cheio de reflexões existenciais, de Ricardo Schott. Em suas passagens pelo Jornal do Brasil, por O Dia e pelo site Pop Fantasma, ele construiu um precioso mapeamento das sonoridades do Brasil e do exterior, sempre buscando expoentes de novos solfejos, de novas claves pra canção. Parte de suas pesquisas o levou ao trabalho do Terra Trio, um grupo - formado por Zé Maria Rocha (piano), Fernando Costa (contrabaixo) e Ricardo Costa (bateria) - que tocou com Maria Bethânia entre os anos 60 e 70. Eles também tocaram com Nara Leão, Clara Nunes, Aurea Martins, Marisa Gata Mansa e outros nomes. Parte dessa viagem do trio pela MPB está narrada por Schott num livro cheio de bossa, que será lançado nesta quarta-feira, às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema. A publicação foi feita pela Sonora Editora. No papo a seguir, Schott detalha a experiência.
Qual é a sonoridade e qual conceito de MPB que rege seu livro? Ricardo Schott: A sonoridade do Terra Trio foi herdada do jazz e da bossa nova. Existe nessa mistura um conceito de MPB que não passa ao lado do tropicalismo, diferentemente do que se ouvia na época. Tem ali muita influência de trilha de cinema, sobretudo pelo fato de Zé Maria ser fã de músicas compostas para filmes. E há muita influência do teatro, pois eles trabalharam com Fauzi Arapi. A obra deles é uma coisa estudada. É uma música bem dirigida. No livro, eles falam das reações das plateias ao trabalho deles e o que aprenderam com o público.
O que o Terra Trio tem de mais particular em sua estética? Que legado eles deixam? Ricardo Schott: Assim como Os Mutantes e Os Novos Baianos, grupos que levaram uma vida comunitária, criando juntos, o Terra Trio se estabeleceu como comunidade. Embora seja uma comunidade de irmãos, são um coletivo. Passavam o dia tocando e fazendo experimentações. Compram um gravador. Preparam um piano para suas experiências. O dia todo deles era música. Começaram a fazer trabalhos com artistas muito importantes. Assim, deixaram como legado, num trabalho que continua sendo feito, o entendimento do quão importante é tocar em grupo, atento ao colega, sabendo se comunicar, sentir as coisas. Usar estudo e intuição juntos é a prática deles.
Como crítico de música, que caminhos você enxerga pra MPB hoje? Ricardo Schott: Tem muita coisa nova acontecendo, principalmente na experimentação com o hip-hop, o funk e o samba. Mas sinto que estamos numa fase de reverência a mestres, após a perda da Gal e do Erasmo. É hora de celebrar quem tá aqui: Rita Lee, Roberto Carlos, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Jards Macalé, Guilherme Arantes. É hora de celebrar a arte desse pessoal. Isso nos deixa num momento retrô, "retrotropicalista" em especial. Isso fica evidente do trabalho da Bala Desejo, a banda que abriu o show do Chico Buaque, com sua música mais minimalista. Estou gostando de ver o trabalho dos artistas que apostando numa perspectiva mais confessional, narrando experiências pessoais nas letras, falando de si.
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