Rodrigo Fonseca Surfando pelas redes sociais à cata de projetos culturais em fase embrionária, o P de Pop foi fisgado, bem pescado e servido com o arroz e o pirão do afeto por um debate sobre autoria e poética na seara da produção literária de não ficção no Brasil, aberto por um bamba do setor, Sérgio França. Durante anos, o Grupo Editorial Record conseguiu entrar nas pautas da maiores redações de jornal do país graças ao desempenho aguerrido (cheio de iluminismos) de França como assessor de imprensa no lançamento de romances, HQs e tratados sociais. O tempo passou e ele - hoje professor e editor de livros e eBooks - passou a analisar os rumos da produção literária no país em seu doutorado no CPDOC-FGV. Uma de suas vertentes de estudo é a dimensão poética da não ficção, um dos ramos mais vendáveis da prosa em solo nacional. A partir do Núcleo de Estratégias e Políticas Editoriais (Nespe), grupo de divulgação do saber literário, França vai estender suas pesquisas sobre a arte transformar boas ideias em livros ao alcance de quem quiser, no curso (online) "Não Ficção: Como Escrever e Publicar". Foi essa ementa que atraiu nosso olhar. Começa no dia 7 de março e vai reunir a nata do setor numa série de conversas com um pé no mercado e outro na teoria e a cabeça em métodos e estratégias de criação. Saca quem vai estar com França nessa: Tem o autor do indispensável "Do Amor Ausente", o bamba da escrita Paulo Roberto Pires, professor da ECO-UFRJ. Tem uma grife de peso no agenciamento de autoras e autores: Anna Luiza Cardoso, da agência e consultoria LVB & Moss. Tem uma editora que deixou sua marca pela Paz & Terra, a José Olympio e outras casas: Lívia Vianna. Tem historiadores - como Américo Freire -, ases da Publicidade - como Adilson Xavier - e coringas da não ficção política, como o jornalista Leonêncio Nossa. Tem especialista na história da música, como Luiz André Alzer. Tem cabeças de ponta do mercado livreiro, como Marcus Gasparian, da Argumento. Até o diretor editorial do grupo Record, Cassiano Elek Machado, vai entrar no time de palestrantes. É França quem vai estar sabatinando cada figura dessa. Quem se interessar, deve acessar o www.nespe.com.br ou @sergio.livros.curso, mas, antes, vale conhecer um pouco mais das discussões que esse artesão da palavra tem a compartilhar sobre a arte de ler... e de fazer ler.
Como se forma um autor de não ficção no Brasil, uma vez que o estudo de Literatura, nos colégios, no Ensino Médio, trabalha com a leitura de romances e contos? Sérgio França: No ensino fundamental e médio, estudantes cursam aulas de literatura, onde predominam contos, romances e poesia, que têm como base a subjetividade e criatividade. Mas quem vai em frente na leitura acaba percebendo outro tipo de livro, fruto de pesquisa, de estudo, de viagens, de observações factuais, de saberes profissionais, do conhecimento sobre o mundo, do contato ou pesquisa sobre grandes personagens contemporâneos ou históricos, enfim: o livro de não ficção. Há quem goste de ler e há (e sempre houve) quem queira escrever nessa vertente factual. Afinal, há outros mundos que não as histórias literárias, a ficção, pra saciar a fome de cultura das pessoas - e há um grande público para isso.
Que espaço o mercado editorial dá ao "documental", à literatura que vá além da ficção? Sérgio França: Um grande espaço. Uma visita a qualquer livraria mostra que os títulos de não ficção disputam com o filão ficcional as estantes e bancadas. O mesmo acontece nas listas de mais vendidos da imprensa analógica e virtual. Um gigante do setor, como o Grupo Editorial Record, possui, há anos, editoras consagradas ao gênero não ficcional, como a Civilização Brasileira e a Paz & Terra. Grandes editoras, como a Sextante, têm criado selos, como o Primeira Pessoa, para publicar somente de biografias. Novas editoras, como a Máquina de Livros, no Rio de Janeiro, também se estruturaram sob a égide da não ficção.
Ainda existe uma égide da autoajuda nas vendas de livros? Sérgio França: A autoajuda já teve seu momento predominante, mas hoje é uma vertente editorial, como tantas outras. Vende livros, traz retorno à editora, forma e fideliza leitores e, como todos os caminhos editoriais - como a não ficção - tem seu lugar na formação, mais que necessária, de um público leitor brasileiro. Público que sempre acaba se tornando agente de mudanças civilizatórias e culturais no país.
Como a sua pesquisa ajuda a enxergar poesia na não ficção? O que ler para essa poética ser interiorizada? Sérgio França: O que a boa poesia traz de novidade, ela traz também de respeito ao cânone, ou seja, ao que é consagrado. Da mesma forma é a não ficção, objeto desse curso. Não há fórmula, mas há um caminho. Ela tem que ser criativa, mas tem que respeitar o saber estabelecido. Então estou concluindo em minha pesquisa - que trata do momento pós ditadura aos dias de hoje no universo editorial brasileiro - que o mercado de livros, assim como a literatura, vem sobrevivendo há cinco séculos tendo que negociar entre a vanguarda, o que é vendável, e o que é consagrado. Parece fácil, mas não é. Para ler e interiorizar essa poética, o caminho é um só: os clássicos da literatura mundial e brasileira, caminho certeiro para compreender a humanidade, e na cola, sobre o mercado editorial.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.