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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Silêncio' de corpo (Scorsese) e alma (Thelma Schoonmaker)

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Por Rodrigo Fonseca
A montadora Thelma Schoomaker e o diretor Martin Scorsese nos bastidores de "Silêncio": o "Deus e o Diabo na Terra do Sol" do cineasta, que estreia quinta no Brasil, cercado de controvérsia  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECAQuando montou A Última Tentação de Cristo (1988), um projeto quase abortado após o fracasso de O Rei da Comédia (1983), Thelma Schoonmaker chorou dois dias a fio sob o impacto da sequência da crucificação de Jesus construída por seu melhor amigo e mais fiel parceiro profissional: o diretor Martin Scorsese. "Ele ficava no Marrocos e eu, em Nova York, falando com ele por telefone, quando os copiões chegavam e era um ritual de solidão, dedicado a um processo mútuo de fé: a fé de Marty no Cinema e a minha fé no olhar dele, em busca de uma simbiose no respeito aos cânones da direção e no mergulho em universos épicos", disse Thelma, em uma palestra na França sobre o processo de edição do novo filme do realizador americano.

"Silêncio": Andrew Garfield é um jesuíta de passagem pelo Japão feudal na primeira produção com fôlego de obra-prima a chegar ao circuito brasileiro em 2017, sob a lavra de Scorsese  Foto: Estadão

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Filmada em Taiwan, com cenas rodadas em Macau, esta produção de US$ 40 milhões estreia nesta quinta no Brasil, cercado de controvérsias e dividindo opiniões. Indicado ao Oscar de melhor fotografia pelo visual acachapante alcançado por Rodrigo Prieto, o longa-metragem - uma espécie de Deus e o Diabo na Terra do Sol no Japão - já foi chamado de "equívoco" e até de "desastre" por alguns, e de obra-prima por outros. Cerca de 28 anos se passaram desde a época em que Thelma e Scorsese se uniram no processo de criação do épico intimista sobre a imolação do Filho do Homem (vivido por Willem Dafoe), e, uma vez mais, estamos em frente à liturgia do sacrifício, à metáfora do Cordeiro de Deus, da entrega em prol do Divino. É o que o jesuíta vivido por Andrew Garfield faz para resgatar seu mestre (Liam Neeson, em sublime atuação) capturado por guerreiros nipônicos que rejeitam o credo católico, por considerá-lo uma barbárie alienígena. O rito é o mesmo nos dois longas. Mas ambos - cineasta e montadora - envelheceram e passaram a ver arte e indústria audiovisuais sob novos olhos: os dos processos digitais, o do deslocamento da recepção, que passou da hegemonia da telona para o boom do VOD e das plataformas de teledramaturgia digital. Mas a lógica, pelas palavras de Thelma, ainda é a mesma: "Só é dispensável a um filme a imagem que não se deixa carregar de memória e de realidade: Marty sabe montar, mas atribui a minha o direito da escolha de tudo o que não conduz a um espaço de celebração do movimento como escrita e que não seja carregado de influências da tradição", palestrou na Europa a montadora, que trabalha com Scorsese há 50 anos, tendo montado 24 filmes dele, sendo já escalada para sua nova empreitada, The Irishman. Parte de seu colóquio foi reproduzido em jornais como o Le Monde e o Le Figaro em fevereiro.

 

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