RODRIGO FONSECA Partindo para sua segunda e última semana, ainda online, por conta da pandemia, o 51º Festival de Roterdã trombou com um drama japonês que pode mudar os rumos da disputa pelo troféu Tiger de 2022: "Yamabuki", novo longa-metragem de Juichiro Yamasaki. Revelado em 2011, com "The Sound of Light", o realizador de 44 anos virou uma sensação na maratona cinéfila holandesa com uma narrativa que tem o Robert Bresson de "Diário de um Pároco de Aldeia" (1951) como um farol. Seu filme assume como arena a região rochosa de Maniwa, localizada no centro das montanhas Ch?goku, no oeste do Japão. É uma área de mineração, com cerca de 44 mil habitantes, de onde se ramificam diversos núcleos de personagens - um mais sofrido do que o outro. Lá vive Changsu, um ex-atleta equestre da seleção sul-coreana, que imigrou para terras nipônicas e foi forçado a desistir de seus sonhos mais cedo do que esperava. Ele se vê trabalhando em uma pedreira. Também naquele lugar vive Yamabuki, uma adolescente batizada com o nome de uma flor - que dá título ao longa. Ela anda envolvida com uma série de protestos estudantis, para o desespero de seu pai, um dedicado policial, cujos métodos por vezes extrapolam a violência. Calmamente, Juichiro nos leva a conhecer cada uma dessas pessoas. E nesta entrevista ao P de Pop, o diretor se deixa conhecer um pouco melhor. "Venho de uma geração de cineastas que se desenvolveu filmando com baixo orçamento de modo autônomo, criando tramas autorais com referências muito particulares. Bresson, por exemplo, é um diretor que me serviu muito, talvez menor por seu rigor, e mais por sua teoria. Mas eu busco nesse filme uma reflexão sobre a ideia de núcleos familiares que, algumas vezes, engessam as pessoas numa ideia de pertencimento", diz Yamasaki via Zoom ao Estadão. "Há um ambiente pedregoso ao meu redor. É uma zona de mineração. Mas o aspecto que mais me interessa é o fato de que, sob a beleza daquela linda flor, que é o Yamabuki, existe sempre um quê de sujeira em sua raiz".
Entre os 13 demais concorrentes ao Prêmio Tiger, dado à competição oficial de Roterdã, o rival nº 1 de Uamasaki é "Eami", um poema etnográfico da paraguaia Paz Encina, que mistura documentário, fábula, antropologia e um ensaio geopolítico sobre sororidade. A diretora de "Hamaca Paraguaya" (2006) registra a realidade de lutas do povo Ayoreo-Totobiegosode, que vive no Chaco, vasta região florestal que faz fronteira entre o país da cineasta, a Bolívia e a Argentina. O título de seu novo longa, Eami significa "floresta" na língua dos Ayoreo. Significa também "mundo". Para aquela população, as árvores, os animais e as plantas que os rodeiam há séculos são tudo o que eles conhecem. Mas eles encaram agora um desmatamento que ameaça tudo o que têm. Para retratar essa tragédia, Paz recorre ao mito de uma menina que vira uma deusa-pássaro. Outro concorrente que parece reverberar forte no burburinho cinéfilo é uma produção de Israel: "Kafka for Kids". Com direção de Roee Rosen, esse musical com sequências de animação impressiona pelo virtuosismo de sua direção de arte e pela ironia de seu roteiro, cuja abrasividade está presente também nas letras de suas canções. O filme é construído como um programa infantil, nos moldes de um "Castelo Rá-Tim-Bum", cuja temática é a prosa do autor de "A Metamorfose".
Entre as produções brasileiras em projeção por Roterdã, estão "Medusa", de Anita Rocha da Silveira, que ganhou o troféu Redentor no Festival do Rio (e é potencializado pela potente atuação de Thiago Fragoso como um pastor evangélico), e "Paixões Recorrentes", primeiro trabalho de Ana Carolina Teixeira Soares (realizadoras da aclamada trilogia "Mar de Rosas"; "Das Tripas Coração" e "Sonho de Valsa") após um hiato de oito anos. Em seu novo longa, rodado no litoral do Paraná, ela volta a 1939, quando um casal de portugueses, uma atriz francesa, um fiscal argentino, um produtor teatral niteroiense, um integralista paulistano e o jovem Beleza (um inspirado Iran Gomes) que recita filósofos e canta pontos de umbanda discutem os futuros do mundo em meio ao avanço de Hitler. O desempenho de Luiz Octavio Moraes na pele de um Zero Mostel de Niterói é antológico, assim como o de Danilo Grangheia na pele do fã do Integralismo. Não falta bom personagem no longa de Ana Carolina. Mas entre todos os tipos revelados pelo festival até agora o mais pitoresco é Pasquale, o protagonista de "The Last Ride of the Wolves", um filme de máfia diferentes de tudo o que já se viu do gênero até aqui, pilotado pelo italiano Alberto De Michele. É uma produção dos Países Baixos na qual o cineasta, filho, do tal Pasquale liga uma câmera quando dirige o carro pra ele e registra as memórias de seu velho acerca das maracutaias que cercam o vício do carteado. Aliás, não só as maracutaias como ideias estapafúrdias como o plano de um assalto a um carro-forte arquitetado por um grupo de assaltantes em vias de aposentadoria chamado I Lupi (Os Lobos). O crime dele é recriado pelo cineasta com maestria. O festival segue até o dia 6.
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