O Museu de Arte Moderna de São Paulo faz 75 anos em 2023 e anuncia uma programação robusta para o primeiro semestre. Dos 30 anos do jardim de esculturas à biblioteca doada pela crítica Aracy Amaral, o destaque vai para a individual do pintor paulistano Arcangelo Ianelli (1922-2009), um dos grandes nomes da abstração brasileira.
Ele fez parte do lendário grupo Guanabara nos anos 1950, junto com Tikashi Fukushima, Wega Nery e Manabu Mabe, entre outros, que também serão homenageados em uma mostra coletiva na instituição.
O MAM reúne na Sala Paulo Figueiredo artistas consagradas na arte brasileira, como Mira Schendel, Lygia Clark e Tomie Ohtake – que vão estar lado a lado a contemporâneos, como Sérgio Sister e Paulo Pasta. A intenção é fazer uma ode à abstração da cor. “É algo muito mais primário, o objetivo é realizar uma experiência com a cor que não esteja ligada a discursos, nem políticos ou psicológicos, aprofundar a percepção”, diz o curador do MAM Cauê Alves, que convidou Fábio Magalhães para organizar a mostra.
Essa é uma preocupação elementar do museu desde sua primeira exposição dedicada ao gênero abstrato, Do Figurativismo ao Abstracionismo, de 1949, organizada por Léon Degand, com nomes que vão de Léger a Flexor – artista que o MAM dedicou ampla retrospectiva em 2022.
Centenário
Sobre Ianelli a curadora Denise Mattar quer mostrar os processos internos do multiartista por meio de dioramas em tamanho real. A ideia é recriar parte do ateliê de Ianelli no espaço, desde o começo de sua trajetória, nos anos 1940, quando o artista retrata cenas cotidianas, com pinturas geométricas que mostram a arquitetura do centro da cidade, mas também do litoral com veleiros, píeres e o traço geométrico.
Nascido em São Paulo há um século, Ianelli começou como desenhista autodidata e trilhou um caminho em busca da essência da luz e da cor. É notável essa depuração da cor que o artista assume até chegar na fase das pinturas vibracionais (sem formas, apenas cores, como a tela do retrato, abaixo). “Ele separa cor e forma porque queria se aperfeiçoar”, diz Mattar.
A curadora conheceu o artista, que morreu em 2009, em sua intimidade. Essa liberdade reflete suas escolhas para a montagem, que pretende remontar o ateliê de Ianelli, com foco em três fases: os relevos brancos, as pinturas e as esculturas. “A questão do processo criativo é marcante em sua obra, Ianelli fazia muitos estudos, o ateliê vivia repleto de desenhos e mini-esculturas de madeira”.
As minúcias desse ambiente são reconstituídas por meio da colaboração dos herdeiros, reforça Mattar, dando ênfase para estudos caseiros do pintor. Em relação às esculturas, o cuidado no planejamento será colocado em evidência: “Era um processo lento, ele começava com os croquis, passava para pequenas esculturas em materiais menos nobres, depois madeira, aí, por último, o mármore”, completa.
Sólidos
Diferente de outras retrospectivas, a de Ianelli não será cronológica. A escolha, segundo a curadora, busca trazer ao espectador um olhar mais dinâmico a partir de certos trabalhos, como os da fase figurativa, nas décadas iniciais, mas também a busca pelo fazer escultórico, no começo e no fim.
O própria relação com a escultura – que Ianelli retomou no fim da vida – é um exemplo. “Ao longo do tempo, ele vai separar a cor da forma, ele abdica da cor nas esculturas quando começa a trabalhar com mármore e cobre; na pintura, isso se reflete em telas em que se é possível perceber as vibrações”. E completa: “O Museu olha uma lacuna na arte brasileira, pois, ao longo do tempo, a produção dos artistas abstratos e geométricos foi ofuscada, o que não é o caso dos concretistas”. l
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