Podcasters ganham fama falando sobre assuntos atuais com recursos simples

Laurinha Lero, Camila Fremder, Guilherme Facci e Titi Vidal são alguns dos grandes nomes das principais plataformas

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Foto do author Ana Lourenço
Camila Fremder, do 'É Nóia Minha', tem ajuda da equipe do Spotify para editar o programa, que convida pessoas para compartilhar suas 'nóias' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Depois que criou um Telegram específico para o seu programa Respondendo em Voz Alta, a podcaster DJ Laurinha Lero (ela mantém sua identidade como um segredo bem guardado), de 25 anos, passou a receber dezenas de perguntas diárias nada convencionais: de teorias da conspiração a dúvidas sobre as nomenclaturas de objetos. Amante dos dois mundos, rádio e podcast, ela investiu um “programa de rádio gravado”, nos quais responde às perguntas, sempre precedidas de um toque de telefone, associando-as com pensamentos e reflexões individuais do cotidiano. “Achei que seria interessante fazer um programa que fosse de rádio e que, obviamente, não é”, diz ela.

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O podcast, mídia em áudio com assuntos e estilos variados, cresceu muito durante a pandemia. Entre janeiro e maio deste ano houve um aumento de 62% no número de produtoras de podcasts inscritas na Deezer em relação ao último semestre de 2019. A plataforma revelou ainda que 43% dos brasileiros ouviram podcast pela primeira vez durante a quarentena. Já no Spotify, o crescimento total do streaming foi de 29% na comparação anual. Desse volume, quase 63 milhões são ouvintes de podcast. A facilidade de gravar com ferramentas simples é uma das razões que estimulou novos criadores de conteúdo a se aventurar nas ondas do podcast – e a ficarem famosos por isso.

No caso de Laurinha, tudo começou com uma brincadeira, quando ela estava doente e “não tinha nada para fazer”, então decidiu responder perguntas online. “Eu respondi em um take só. Apertei ‘play’, depois ‘stop’ e coloquei na internet. Quando fui ver tinha dezenas de milhares plays por episódio e aí ficou constrangedor parar”, conta ela, que faz parte dos top 10 podcasts entre os 1,5 milhão disponíveis no Spotify. Com o sucesso, o Respondendo em Voz Alta passou a ser exclusivo da plataforma – remunerado e quinzenal.

Laurinha Lero mantém sua identidade em segredo Foto: Laurinha Lero

“Eu acho que o podcast está crescendo porque as pessoas não querem ouvir o monólogo interno delas”, opina Laurinha. “Ele realmente ocupa sua cabeça, como se você estivesse em uma conversa com alguém ou como se estivesse ouvindo uma conversa. Diferente da música.”

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Para Camila Fremder, de 38 anos, roteirista e criadora do podcast É Nóia Minha? (também exclusivo do Spotify), os produtores de conteúdo entraram em uma fase de troca com o ouvinte. “Eu sempre produzi muito para os outros e eu estava querendo produzir conteúdo pra mim.”

Assim como em uma conversa com os amigos, Camila e mais dois convidados discutem sobre o tema da vez. “Eu fico analisando uma pessoa e pensando ‘qual será a noia que essa pessoa tem?’ Aí convido ela para fazer o programa”, explica. Para ela, a espontaneidade do podcast é um dos segredos do sucesso.

Diferente da TV ou do próprio rádio, que tinham o objetivo de ocupar um ambiente, o podcast é criado para o consumo individual. “O podcast é um jeito de você encontrar a sua turma. A gente sente que faz parte da conversa, encontra pessoas que são muito parecidas com você”, diz Camila. O ato de escutar o outro ou um grupo falando sobre algo do seu interesse gera um sentimento de identificação.

Enquanto Camila conta com a ajuda de uma equipe do Spotify e Laurinha trabalha diretamente com o seu editor, Guilherme Facci, de 44 anos, do podcast A Loucura Nossa de Cada Dia, gosta de trabalhar sozinho. Sem nenhum tipo de adorno, nem vinheta de abertura, ele acredita que isso dá uma característica de proximidade com o público. “A psicanálise não deve ser falada de maneira difícil. Eu tento achar um equilíbrio entre o rigor dentro do método para não banalizar e uma linguagem que as pessoas se sintam identificadas no seu conhecimento ou no seu desejo de saber”, declara ele, que, após horas de pesquisa e roteirização, grava de casa, ao lado da gata Martina. “É um momento muito íntimo”.

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Apesar de não ser remunerado, Guilherme diz fazer o programa em consideração aos fãs. “As pessoas falam que o podcast as ajudam e isso me motiva”, diz ele, que traz temas que surgem da escuta dos sintomas da nossa época no consultório e das suas próprias angústias. “O mais importante é que desperte o desejo de saber de cada um, que as pessoas tenham vontade de falar mais e procurar analistas, psicólogos, enfim”.

Guilherme fala sobre psicanálise de forma simples Foto: Guilherme Facci

A saúde mental – e a conversa sobre o assunto – ganhou, invariavelmente, destaque durante a pandemia. Para Guilherme, isso tem a ver com o sentido de urgência que a morte, como representação traz. “Ela nos apresenta a finitude e isso pode dar urgência ao desejo”, diz. “O efeito foi cada um começar a perguntar sobre propósitos, vontades, num sentido mais interessante da angústia – uma angústia mais mobilizadora do que uma paralisadora.”

Astrologia também parece ter sido um assunto muito buscado, uma vez que o podcast exclusivo da Deezer, Céu da Semana, com a astróloga Titi Vidal, de 42 anos, foi o mais escutado da plataforma nos últimos dois meses. “Por muito tempo, o nosso objetivo (dos astrólogos) era tirar todo o ‘astrologuês’ das previsões e traduzir tudo para português. Mas como as pessoas passaram a se interessar mais por astrologia, elas querem saber de onde tiramos essas informações. Então eu trago a contextualização no começo e, depois, a tradução”, conta ela, que lançou o podcast em novembro de 2018.

Muito ativa nas redes sociais e em diferentes mídias, Titi consegue distinguir as diferenças de público e linguagem de cada uma. “No podcast, preciso ter muita clareza na informação que eu passo, porque a pessoa tem de entender ouvindo. E às vezes eu tenho a sensação de que o podcast fica mais profundo, mais completo”, diz. “A astrologia ajuda a gente a entender o contexto, a entender o que está acontecendo com o mundo, com os meus amigos, com qualquer pessoa, porque isso interfere na minha vida”.

“É legal lembrar que o nosso vício não é exatamente no smartphone ou nas telas. Mas na informação que a gente tem a partir daquela plataforma. A gente é viciado na facilidade que aquilo nos proporciona”, conta a consultora sênior de Mindset da empresa de tendências WGSN, Julia Curan.

Antes de gravar o podcast, Titi Vidal se prepara estudando o céu da semana Foto: Titi Vidal

Além de exigir menos foco do ouvinte, no sentido de que é possível fazer outras coisas enquanto se escuta, a falta de recursos visuais, acentua também a privacidade dos criadores de conteúdo – um dos aspectos mais importantes para Laurinha Lero, que usa esse pseudônimo e nunca revelou seu rosto ou nome verdadeiros. “Eu acho que é uma maneira de você criar uma coisa sem se expor tanto e, de certa forma, isso é um benefício, porque penetra muito mais na cabeça da pessoa do que se ela tivesse de ficar olhando para você”, diz Laurinha.

No entanto, dependendo do fã, a voz já pode ser um fator muito marcante. Camila e Guilherme já foram reconhecidos nas ruas – mesmo com máscara de proteção – simplesmente por estarem falando. “A mulher virou pra trás e falou: ‘Nóia minha?’ e isso nunca tinha acontecido antes”, conta Camila.

Estratégia. A investida em conteúdos exclusivos foi uma estratégia das plataformas que perceberam o crescimento do mercado de podcasts e dos próprios podcasters, que antes tinham poucas opções de remuneração além de patrocínios e crowdfunding. “A gente está consumindo muito mais streamings. E talvez o podcast esteja indo cada vez mais para o caminho dos streamings de vídeo, na ideia de cada um ter seus exclusivos”, opina Luiz Felipe Marques, criador da Orelo, plataforma brasileira, lançada em julho deste ano, exclusiva para podcasts.

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“O podcast é a mídia que mais cresce no mundo atualmente. No Brasil, são 20 milhões de pessoas escutando todos os dias. Olhando pra isso, a gente entendeu que levar temas ou formatos que não eram tão comuns seria interessante”, conta ele, que lançou a Orelo com 15 conteúdos exclusivos e pretende chegar em 50 até o final do ano.

A Orelo oferece o pacote exclusivo e o premium. O primeiro garante parte de toda a grade exclusiva de podcasts com anúncios. Já na versão premium, o acesso é livre, com um diferencial. “O assinante paga uma mensalidade de R$ 6,90 por mês e pode escolher o seu podcaster favorito para doar 30% do pagamento diretamente para ele”, explica Luiz.

Luiz Felipe Marques, criador da plataforma Foto: Orelo

O empoderamento, tanto do ouvinte de poder contribuir, quanto do podcaster de poder dedicar tempo e estudo para fazer um bom programa e ser remunerado por isso, mostra a importância do conteúdo – que supera a necessidade de imagens, mesmo em um mundo de telas. “O que na TV é uma produção milionária, no áudio é uma história bem contada”, diz.

“Produtos que vão para a linguagem oral naturalmente precisam ganhar coloquialidade, precisam acessar o seu ouvinte de uma maneira mais direta e fácil”, ensina o jornalista Emanuel Bomfim, à frente tanto do podcast Estadão Notícias quanto da Rádio Eldorado, ambos do Grupo Estado. “De alguma maneira você também é um produto de entretenimento, porque aqueles minutos que você está com o seu público têm de ser prazerosos.”

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Desde 1922, quando o rádio surgiu, ele transformou sua realidade. “O rádio ficou mais refém, com o passar do tempo, da sua lógica de grade ao vivo. O podcast, então, traz a possibilidade de ter menos amarras para poder sofisticar e ampliar o seu escopo temático”, coloca Emanuel.

“É legal acompanhar essa evolução porque quando o podcast chegou no Brasil, ele não tinha essa identificação; era quase uma versão amadora do que era um programa de rádio. E hoje o Brasil está rumando para cada vez mais investir nesse padrão de qualidade em todas as pontas– edição, montagem, identificação”.

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