A cantora Margareth Menezes será a nova ministra da Cultura. Aos 60 anos, ela aceitou o convite de Lula e assume a pasta em 2023. Na gestão Bolsonaro, o Ministério da Cultura foi extinto e foi criada a Secretaria Especial da Cultura, por onde passaram muitos nomes nos últimos anos - entre os quais Roberto Alvim, que fez apologia ao nazismo, a atriz Regina Duarte e o ator de Malhação Mario Frias.
Nascida em 13 de outubro de 1962, em Salvador, filha de uma doceira e de um motorista que sempre ouviam música em casa, Margareth cantou em coral quando era criança, frequentou grupos de teatro na adolescência, e em 1986 passou a investir mais na música.
O convite para Margareth Menezes, cantora negra, ícone do carnaval baiano e criadora de uma associação sem fins lucrativos focada na economia criativa, ocorreu em meio a críticas pela falta de mulheres e de pessoas negras no novo governo de Lula.
A atriz Marieta Severo e o rapper Emicida também foram considerados, e a escolha de Margareth foi saudada e, ao mesmo tempo, criticada. Embora tenha sua própria fundação - a Associação Fábrica Cultural (leia abaixo) -, ela não possui experiência em gestão pública e encontrará diversos desafios, já que a área da Cultura ficou em segundo plano no atual governo - contrário, por exemplo, às leis de incentivo, como a Rouanet, e de apoio ao setor, um dos mais prejudicados na pandemia, como a Lei Paulo Gustavo, vetada. Muitos defendem a presença de um secretário ou secretária de perfil mais técnico, que compreenda as particularidades de cada um dos órgãos da pasta e a complexidade do País.
Margareth Menezes é, ainda, uma das fundadoras do bloco Os Mascarados, um dos mais tradicionais do carnaval de rua de Salvador. Inclusive, em 2023, quando o grupo celebra 20 anos, Margareth, que esteve à frente na primeira década, será homenageada. Ela confirmou presença antes de seu nome ser considerado e confirmado para a pasta.
Antes disso, ela já trilhava uma carreira reconhecida. Foi premiada por seu primeiro show, antes mesmo de gravar seu single de estreia - Divindade do Egito, de 1987, considerado o primeiro samba-reggae, ao lado de Djalma Oliveira. No ano seguinte, chegou à uma grande gravadora. Depois, teve um disco produzido por David Byrne e lançado apenas fora do Brasil, e abriu os shows do fundador do Talking Heads, em uma turnê por diversos países.
Margareth Menezes foi parar na Billboard World Albums. E foi indicada ao Grammy e ao Grammy Latino.
O que é a Associação Fábrica Cultural
Margareth Menezes é criadora e presidente da Associação Fábrica Cultural, entidade privada sem fins lucrativos na Bahia, mais especificamente na região da Península do Itapagipe, em Salvador, onde nasceu. Fundada oficialmente em 29 de março de 2004, entrou em atividade cerca de quatro anos depois. Essa é, possivelmente, uma de suas experiências mais próximas às do cargo de ministra da Cultura.
Entre os objetivos da Associação Fábrica Cultural estão, segundo a entidade, estimular a criação e o desenvolvimento de produtos, de serviços e de negócios derivados da economia criativa como dinamizadores de territórios, para auxiliar no desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável, além de disseminar o respeito à sustentabilidade ambiental, à qualidade de vida e aos Direitos Humanos. E ainda: desenvolver redes associativas e fortalecer os trabalhos colaborativos em busca de autonomia e de geração de renda, particularmente redes de mulheres empreendedoras; e qualificar pessoas por meio de processos educacionais amparados na arte e na cultura e pelo acesso a bens e a serviços artísticos e culturais, auxiliando na promoção de educação inclusiva e de qualidade. Por fim, produzir resultados econômicos e financeiros para empreendimentos criativos e ambientalmente responsáveis, como artesanato, o design sustentável e a moda inovadora, buscando auxiliar na produção e no consumo de bens sustentáveis.
Entre os projetos da instituição, estão ações de qualificação profissional para jovens em áreas como costura, design gráfico, estamparia e artesanato de pedras semipreciosas, oficinas de arte, educação, língua e literatura para crianças, inclusão digital e fórum de discussão para “fortalecer os vínculos familiares” da comunidade local.
A instituição afirma trabalhar com base em sete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU): Erradicar a pobreza; educação de qualidade; igualdade de gênero; trabalho digno e crescimento econômico; reduzir as desigualdades; cidades e comunidades sustentáveis; produção e consumo responsáveis.
Sucesso na música
Em 1986, dá os primeiros passos a valer em sua carreira musical, com apresentações em cidades do interior baiano, e também no Teatro Castro Alves, por meio do Projeto Pixinguinha. Seu primeiro show, Banho de Luz, lhe valeu um Troféu Caymmi de melhor intérprete. Em 1987, grava o single Faraó - Divindade do Egito, considerado o primeiro samba-reggae lançado, ao lado de Djalma Oliveira.
Em seguida foi contratada pela gravadora PolyGram e lançou seu primeiro disco, Margareth Menezes, em novembro de 1988. Nele, e chamou atenção com uma versão da composição de Rey Zulu e Ytthamar Tropicália, Uma Historia De Ifa (Elegibô).
A canção também abriu Elegibô (1990), álbum produzido por David Byrne (Talking Heads) e lançado somente no exterior. A parceria com o músico escocês ajudou a impulsionar sua carreira internacional, e o disco atingiu o primeiro lugar da parada Billboard World Albums graças às boas vendas nos Estados Unidos. À época, a cantora havia chamado atenção também por conta de uma série de apresentações ao lado de Gilberto Gil e Dominguinhos.
Quando Byrne divulgou seu álbum Rei Momo (1989), fez uma turnê por dezenas de países e chamou Margareth Menezes para abrir os shows. Em maio de 1990, quando estavam pelo Brasil, o Estadão definia a cantora como a dona de um “gingado irresistível e vozeirão acima da média entre as novas cantoras que têm tentado a sorte na MPB”.
Seu álbum Kindala (1991) também teve grande repercussão internacional. No começo dos anos 2000, fez sucesso com Dandalunda, composição de Carlinhos Brown que foi considerada a “música do carnaval de 2003″ em Salvador. Entre outros lançamentos e shows, Margareth Menezes continuou sendo presença frequente nas rádios e TVs do Brasil pelas décadas seguintes.
Ao Grammy, foi indicada em 1993 na categoria de melhor álbum de World Music em 1993 e 2007, além de indicações ao Grammy Latino em 2006 (melhor álbum de pop brasileiro) e 2020 (melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa).
Em 2019, lançou Autêntica, seu álbum mais recente, mas seus planos de turnê foram interrompidos por conta da pandemia de covid-19. Durante o período, atuou na série Casa da Vó, da Wolo TV, que também foi exibida na TVE e outros canais. Em 26 de novembro de 2022, estreou seu novo show, Elevante, em apresentação no festival Afropunk Bahia.
Críticas ao pagode: ‘porcaria’
Em 2009, Margareth fez uma série de declarações polêmicas, criticando artistas e fãs de pagode: “Eu tive a oportunidade de fazer um show num lugar aqui mesmo, em Salvador, onde tinha outra banda, uma banda de pagode, que cantaria depois de mim. Eu cantei samba-reggae, cantei reggae, música popular brasileira, e o povo não reagiu. O povo só reagia na ‘quebradeira’, aquela coisa ridícula.”
“Eu acho ridículo. Desculpa, mas eu acho ridículo a exposição, a falta de postura, acho ridículo quando você mobiliza uma comunidade para falar porcaria, para ficar cantando coisas... Sinceramente. Olha, eu já tive adolescência, mas eu nunca gostei de porcaria. Nunca prestei a minha mente para ficar consumindo merda. Nunca mesmo. Porque eu me dou valor. Eu me dou valor e eu respeito todo mundo que vai a um show meu. No meu show pode ir uma criança, velho, adulto, jovem, o que for. Sempre cantei para todos”, continuou.
As falas foram feitas durante o debate “Paz sem voz não é paz, é medo”, na Universidade Católica do Salvador (UCSal), ao lado dos músicos Marcelo Yuka (O Rappa) e Serginho (Adão Negro), em 12 de maio de 2009.
Polêmica com público LGBT
Nos anos 2000, também deu declarações que foram mal vistas pelo público LGBT, que compunha a maior parte de seu bloco no carnaval de Salvador à época, Os Mascarados. “Estão falando que Margareth havia entrado para uma igreja e que não aceitava mais os gays que saem no bloco. Isso é mentira! Ela nem tem uma religião definida e nunca abandonaria o público do bloco, que sabe ser GLS [Gays, Lésbicas e Simpatizantes, sigla utilizada à época]”, informou a assessoria de Menezes ao site Ego em 2008. Em 2021, a artista gravou um vídeo em que desejava “vida longa e saúde” ao Grupo Gay da Bahia, em ocasião do aniversário da entidade.
Questões raciais
Sobre as particularidades da cultura brasileira, exaltou, em entrevista ao Programa do Porchat (Record TV) em 2018: “Já tem umas duas gerações pra cá que o pessoal tá assumindo mais (a negritude), mesmo, o jeito de ser. Não tem muito pra onde correr, gente, vai fazer o quê? Tá tudo misturado, é nós, é o Brasil, essa beleza, todo mundo contribui da sua forma, com a sua cultura, com a sua mistura. Eu acho muito bacana. O Brasil é um País diferenciado por isso. Quando a gente começa a imaginar quantas pessoas vieram pra cá, tanto de África, quanto de outros países da Europa, e outros lugares, e essa coisa foi se cruzando, se juntando, de comportamento, de cultura, de comida, de tudo, é um lugar diferenciado de qualquer outro lugar. A gente começar a entender que riqueza é essa é muito legal.”
“Essa polaridade tem que ser aceita. Não é porque eu moro num lugar em que a maioria é negra que eu vou achar que o Brasil todo é negro. Não é porque você mora num lugar em que a maioria é branca que você vai achar [que o Brasil todo é branco]. Não é. O Brasil é assim. E onde você mora também tem pessoas negras, tem descendentes de índio, pessoas brancas. Isso é a história nossa, a gente não pode ter vergonha disso. Isso complica demais até pra gente se desenvolver”, continuou.
Juventude
Margareth Menezes da Purificação nasceu em 13 de outubro de 1962, filha de uma doceira e um motorista, sendo a mais velha entre seis filhos. A paixão musical surgiu por conta dos pais, que ouviam artistas como Jackson do Pandeiro, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Angela Maria, Luiz Gonzaga, Dicró, Martinho da Vila, Clara Nunes, Noite Ilustrada, Marinês e Sua Gente e Moreira da Silva. Também fez parte do coral de Boa Viagem na infância.
Ganhou seu primeiro violão quando era adolescente, época em que frequentava grupos teatrais fazendo peças como Ser Ou Não Ser Gente (1980), Máscaras (1982) e O Inspetor Geral (1982). Em 1983, participou do Gran Circo Troca de Segredos, espaço cultural inspirado no Circo Voador, do Rio de Janeiro.A parte musical seguia presente: numa montagem de O Menino Maluquinho, inspirada na obra de Ziraldo, fez a trilha sonora, operação de som e gerenciamento da técnica vocal do espetáculo. “Dentro dessa questão de teatro foi que eu vi com uma consciência do meu potencial artístico”, defendeu, anos depois.
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