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'Querem colocar uma escopeta em cima de mim', diz Fafá de Belém

Ao brigar contra a separação do Pará, cantora volta às rinhas violentas que contrastam com a música que canta

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Foto do author Julio Maria
Atualização:

Ela jura de pés juntos que é a mesma criatura, mas não convence. A Fafá de Belém que canta não pode ser a mesma que fala. Sem as doçuras das músicas românticas que a crítica em geral alveja e as rádios populares disparam a tocar, Fafá, 55 anos, endurece o queixo e pula sem paraquedas na hora da briga. A última ela venceu, mas a um preço alto. Fafá foi a Belém pedir para que seu estado não fosse dividido em três. Sem as regiões onde seriam criados Carajás e Tapajós, para ela, o Pará perderia tudo e os novos estados não ganhariam nada. Os separatistas, com Duda Mendonça na direção da campanha publicitária, perderam a causa em plebiscito, e Fafá, mais do que a voz da vitória, passou a ser vista pelas fatias que perderam como a vilã da derrota. Pelo Twitter, tem sido execrada. "A melhor coisa que me chamaram foi de 'vaca'. Aí você imagina o resto." Agora, a mulher que já cantou para o papa João Paulo II e foi 'Musa das Diretas' diz que não sabe se seu povo será o mesmo depois da 'rinha de galo' que criaram no Pará. "Eles plantaram a semente do ódio."A Fafá politizada está de volta?Veja, plantaram no Pará um ódio entre irmãos e eu não sei se essa ferida vai se fechar. Duda Mendonça (publicitário) fez uma campanha para os separatistas em cima do ódio. É como se quem votou pela não separação fosse contra as regiões mais pobres. O povo sabe que eu não sou uma inimiga, querem colocar uma escopeta em cima de mim.Não há uma injustiça no fato de as maiores riquezas minerais do Pará saírem de uma região como Carajás, pobre e que não recebe investimentos?É preciso, sim, pensar uma nova forma de administração nessas regiões, mas eles não iam fazer investimento nenhum, mesmo com a separação. O que ganham eles retiram de lá. Seria só mais um pasto. A multiplicação da pobreza seria violenta. Tapajós nasceria devendo R$ 1 bilhão ao ano. Carajás, R$ 830 milhões. O desafio maior aos governantes é a reconstrução de um povo, sair do discurso e ir para a ação. Se separa, o Pará perde tudo.A Fafá que canta é a mesma que fala? Curioso você não ter se tornado uma cantora de protesto...Eu sou uma cantora romântica, movida pela emoção, mas a questão da liberdade sempre foi muito forte pra mim. Entrei na briga pela aprovação da PEC da música (proposta de emenda constitucional que dá isenção de impostos à indústria musical) porque acredito que seja a hora de o artista exigir esta liberdade. Não dá para a música ter tantos tributos a pagar enquanto a mineração, por exemplo, que abre uma chaga na terra, ser isenta. Eu tenho sangue indígena. Nunca pensei em me casar, por exemplo. Sempre fui livre. E o que fazem para enganar a liberdade é o que me revolta. Não admito o que fizeram no Pará. Que o Duda Mendonça vá fazer as rinhas de galo dele em outro lugar. O que ele aprecia na rinha de galo, que são dois animais se bicarem até sangrar e um deles morrer, foi o que fez com o meu povo. Não somos galos, e vamos curar nossas feridas. Pode levar tempo, mas vamos curar.Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Quando você começou sua carreira, teve uma clara oportunidade de fazer parte desse time. Por que preferiu ficar de fora?Porque eu sou popular, eu gosto de povo, eu gosto de sair na rua, dar minhas gargalhadas. Eu não tenho turma. E talvez porque eles sejam meus mitos. Como eu iria sentar com um mito? De todos, o meu amigo é Milton Nascimento, mas eu gosto é do rock. Adoro o China (Mombojó) e músicos como Wagner Tiso, Mauro Senise. Gosto de músico, gosto de melodia e gosto de gente normal.Mas não foi uma tentação ficar ao lado da 'elite' artística?Quando fiz um disco cantando Chico Buarque, nenhuma gravadora queria lançar. Como eu, uma cantora popular, queria fazer um disco com músicas de Chico Buarque? Entendo o seguinte: ou você atravessa fronteiras e sai do gueto ou não faz cultura. É um preconceito achar que a periferia é só o funk. Quando fiz a campanha das Diretas percebi que tinha um público muito grande. Gostei de cantar com as pessoas me acompanhando. Foi quando resolvi ouvir os cantores do Nordeste e me tornar popular.Da mesma forma que a gravadora não quis seu disco do Chico, os compositores populares não a procuravam por achar você chique demais para eles. Essa indefinição não se tornou um problema?Sofri muito. Para gravar Memórias, eu tranquei o Max Pierre (produtor) no banheiro do estúdio (risos). Ele dizia que eu não deveria gravar essa música porque eu era uma cantora de primeira linha. Então, quando ele foi ao banheiro, a fechadura caiu para o lado de fora e deixamos ele trancado lá. Enquanto isso, tiramos os arranjos da música com o Lincoln Olivetti. Quando o disco saiu, escreveram 'Fafá se rende ao brega' e abriram uma metralhadora sobre mim. E o disco vendeu 700 mil cópias.

 

 

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Maria Bethânia e Caetano Veloso gravam Zezé Di Camargo e Peninha e não perdem o 'altar'. Não seria aqui um problema de embalagem, de saber melhor fazer o pop virar cult?

É um problema de preconceito. Olha, eu sou uma pessoa muito comum. A minha vida sempre será maior do que qualquer coisa. Já me pediram até para eu mudar minha gargalhada.

Chamaram você de pé-frio depois da campanha das Diretas, em 1984. Acreditavam mesmo que a culpa pela morte do Tancredo Neves era sua...

Guardo mágoas dessa época. Ao mesmo tempo eu não era a musa que a esquerda queria e era o espinho no pé da direita. Fizeram contra mim uma campanha suja e ninguém veio me acolher. Soube que essa história de pé-frio foi algo montado no comitê da campanha do Maluf. Eu era a culpada pelo fato de as Diretas não terem sido aprovadas e pela morte do Tancredo, como se eu tivesse o poder de vida e de morte. Fique dois anos sem trabalhar. Eram 50 notas nos jornais do País todo por dia contra mim. Cada vez que aparecia um trabalho, eu rezava para não acabar a luz, para o palco dar certo. Uma vez um cara quase me bateu dentro de um avião. O avião teve um problema e o cara achava que eu tinha culpa. Eu chorava, as pessoas queriam me bater nas ruas (embarga a voz). E sabe o que eu fiz? Continuei cantando. E aprendi que é isso que devemos fazer, seguir cantando.

Então foi uma campanha contra você que funcionou?

Exatamente como agora eu sou a culpada pelo fato de os separatistas não terem vencido. É a mesma coisa.

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Você foi ameaçada?

Não como na campanha das Diretas, quando me ligavam dizendo que minha filha Mariana seria sequestrada. Cada vez que acontecia isso, pedia para um amigo ir em casa, enrolar ela em um cobertor e a colocar para dormir no porta-malas do carro dele. As ameaças eram horrorosas, barra-pesada. Eu estava fazendo uma temporada no Rio, em 1988. Veio o intervalo, fui trocar de roupa e me ligaram: "Olha, agora pegamos sua filha." Aí liguei para o Fonseca, do Fonseca's Gang, que pegou minha filha e a escondeu em um lugar seguro.

Como será a Fafá de Belém do próximo disco?

Vou gravar só o som das rádios AM, com os artistas que tocam nos puteiros do Nordeste. É um universo que lembra muito a minha infância. Eu morava ao lado dos bordéis e os sons se cruzavam ali. E hoje eu sou da noite, as putas me amam, as bichas me amam, as travestis me amam. E eu gosto desse universo despudorado, de dizer as coisas que tenho vontade. Da mesma forma como adoro tudo de Geraldo Vandré, tudo de Sérgio Ricardo. Então, talvez por não me encontrar só no time A, eu não seja chamada de diva (risos).

Esse trânsito nos mundos cult e popular não a atrapalha? Não teme querer acertar em vários alvos e confundir seu público?

Não é intenção minha acertar em vários alvos, nunca foi. Eu encomendei uma pesquisa recentemente para saber quem eu era para o meu público. O resultado foi muito louco. Se as pessoas comprariam meu próximo disco? Talvez. Dos que vão a todos os meus shows, muitos têm dificuldades de escolher quatro músicas minhas. Mas todos disseram que param para me ouvir falar.

Então, a Fafá de Belém que fala deu mais certo do que a que canta?

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Não sei (pensa). Mas sinto que as pessoas param para me ouvir falar.

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