‘Close’ é desses filmes que ficam na cabeça por horas e dias depois de assistir. Nada como os enlatados que divertem, mas somem da mente no meio do hambúrguer pós-sessão. Não. Ele dói na alma. E por isso é imperdível e necessário.
Não é uma história apelativa. Mas ela desperta para as mais aflitivas lembranças da infância. Ou ao menos consegue provocar a fagulha da empatia pelo sofrimento alheio, enquanto deslumbra com o calor de um cenário que parece deslocado da temática pesada da tela.
O longa belga da produtora A24, que concorre ao Oscar de Melhor Filme Internacional, segue a íntima amizade dos pré-adolescentes Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele). Mas um novo ano letivo começa com comentários maliciosos dos colegas.
Rompimento terrível faz a história andar
A transformação do elo ingênuo dos garotos em algo além do fraterno aos olhos dos demais perturba os pensamentos de Léo. O bullying cresce. E a homofobia na escola somada à sensação de abandono causam uma ruptura irreparável entre os amigos.
A trama construída pelo próspero diretor Lukas Dhont pode parecer arrastada às vezes. Mas ela traduz o esforço de Léo para carregar o fardo de culpa que ele mesmo criou para si - ou foi induzido a criar.
O filme, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 2, lembra vários elementos de outras produções que marcaram gerações. ‘Ponte Para Terabítia’ é um deles, mas é em ‘Meu Primeiro Amor’ que ele talvez encontre mais semelhanças. Mesmo 30 anos depois.
São ambas histórias de amor e amizade, com um toque de descoberta afetiva, inundadas daquilo que em inglês é chamado de coming of age. Algo como uma narrativa que mostra o caminho de amadurecimento das personagens enquanto crescem.
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Nos dois filmes, os criadores não poupam protagonistas de sofrimento. Nem nós. E na obra de Dhont há a mesma cumplicidade pré-adolescente, a admiração ingênua e a atração pura do filme de 90, mas com um recorte “Geração Z”.
‘Close’ nos força a nos aproximarmos, como o título aponta. Faz olhar de perto. Olhares, aliás, que conduzem a narrativa. Mais que toques ou palavras em um tempo de telas digitais e distanciamento virtual.
A janela da alma como fio condutor
É pelos olhos de Léo e como ele vê ou não o que o cerca que o diretor usa das cores para marcar a atmosfera das cenas. No que é muito competente.
O artifício é manipulado também para mostrar contraste. As paredes do quarto de Rémi são vibrantes e quentes, enquanto os momentos vividos ali são inocentes no primeiro ato.
O vermelho, típico da paixão e do desejo, guarda naquele cômodo emoções singelas trocadas pelos meninos. Um espaço de aconchego e segurança - que será transformado depois.
E mesmo nos entreolhares dos dois é difícil captar atração física e sexual: eles carregam muito mais carinho e amizade. Já no de outros, é sensível o julgamento acusatório da masculinidade tóxica e do preconceito.
Uma geração mais humana
Poderia-se esperar que a esta altura da história as pessoas já estivessem mais preparadas para lidar com o diferente. Que as novas gerações fossem mais acolhedoras, generosas, flexíveis e menos discriminatórias.
É um retrato dos tempos que a Geração Z seja tão comprometida com os direitos individuais, o bem estar coletivo e a responsabilidade afetiva. Mas ‘Close’ vem mostrar que ainda há muito a conquistar, por isso tem tanto a ver com o século 21.
Símbolos a serviço da história
Léo é filho de floricultores. E a princípio ele não quer se envolver no cultivo. Enquanto ele e Rémi passam por conflitos, é a época da colheita - do corte, de morte!
Após a ruptura com o melhor amigo, o menino precisa se reconstruir. Renascer. Na prática, ele vai para a terra, plantar, cuidar, cultivar. E à medida que as flores voltam, ele também cresce. Uma metáfora sublime para encerrar com alívio e esperança ao espectador tenso após toda a desgraça e angústia.
Apesar do forte papel da trilha sonora, é um longa silencioso, reflexivo e triste. Que tenta sensibilizar e cativar, mas chega a ser quase cruel no caminho. E lembra para a vida real que podem passar despercebidos os sinais de constituição de uma tragédia.
O longa entra para o catálogo da plataforma de streaming Mubi em 24 de abril.
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