Homofobia mata! Não há o que discutir. E o próprio termo ‘homofobia’ já é excludente, pois esconde as outras letras da comunidade. Discriminação contra pessoas LGBTQIA+ é crime, não é opinião e está presente na realidade e na ficção.
A diferença é que na vida real ela deixa cicatrizes, traumas e covas – às vezes rasas. Já na tela as vivências LGBTQIA+ podem criar desconforto, mas também empatia, reflexão – e assim, decididamente, contribuir para uma mente mais evoluída, inteligente e generosa.
Em outras palavras: contribuem para a formação de um ser humano decente. Esta é uma lista para quem tem interesse em romper paradigmas e se inundar de boas histórias, não para quem prefere ser fiscal do cupido alheio.
Culpa cristã
Bobby carrega nos ombros o peso da mentira. De viver uma mentira. Quando se descobre gay no meio de uma família fervorosamente religiosa, é alvo da convicção da mãe determinada a “curá-lo” do que aprendera ser o pior dos pecados, movida pelo que ela pensava ser amor.
Após sofrer por anos de intenso desprezo e repressão obviamente inútil, acaba rejeitado pela mãe quando tenta dar um basta no ambiente abusivo. Desamparado, não suporta a culpa que lhe foi imposta e salta para a morte, de um viaduto. Orações para Bobby é a história real de Bobby Griffith e mostra como a mãe, Mary Griffith, passou de algoz a defensora da causa LGBTQIA+.
Para ela, vencer a ignorância custou a vida do filho, mas o luto virou força de combate contra a discriminação e ela finalmente entendeu o que era amar incondicionalmente. Dá para ver no YouTube, em canais não oficiais. Obrigatório.
Humor sensível
Remake de uma sitcom dos anos 1970 e 80, One Day at a Time surpreende ao introduzir uma personagem lésbica para o novo cenário – que em nada lembra aquele de meio século atrás.
O enredo só ganha ao trazer à luz o contexto das dificuldades de entender o próprio lugar no mundo, situado nos EUA dos anos atuais e em uma família essencialmente conservadora de origem cubana.
Com humor respeitoso, a série prova que dá pra rir junto - ao invés de rir das pessoas! E trata dos dramas de forma poderosamente sensível. A série nasceu na Netflix e rendeu três temporadas, quando migrou para a Pop TV e ganhou uma última parte. Vale cada risada.
Ausência
Um thriller sobre como as experiências vividas na adolescência marcam feito ferro em brasa. Entre um flashback e outro, Jonas descortina o destino incerto que o personagem-título enfrenta.
O início sombrio revela que os contornos coloridos dos anos de descoberta inocente do amor em algum momento serão manchados de escarlate, como sangue. Quando a cumplicidade se fortalece nos pequenos gestos, é ainda mais triste o instante em que o elo é quebrado de forma abrupta e cruel.
Um filme para enxergar que ninguém é capaz de imaginar pelo que o outro já passou na vida. As culpas injustas que esta história carrega podem ser vistas na Netflix. Espere lágrimas em francês.
Acolhimento
Os anos 1980 e 90 foram particularmente desumanos com a comunidade LGBTQIA+. Não bastasse a discriminação contra o grupo, um temor global estigmatizou ainda mais aquelas pessoas. Mas não é a Aids a protagonista de Pose, é somente uma presença que se impõe enquanto o telespectador navega na história da cultura ‘ballroom’.
Famílias de renegados se juntam para se apoiar e, sim, se divertir. Famílias de renegados que se juntam, literalmente, para sobreviver, se apoiar e, sim, se divertir. Gays, trans, bissexuais, e muitos outros mergulham na estética e vida drag queen em competições de dança, esbanjando ‘voguing’ e glamour - em meio às mil batalhas cotidianas por sustento e amor.
E se alguns dos termos deste texto lhe são desconhecidos, é a oportunidade perfeita de ver as três temporadas da série no Star+ ou duas delas na Netflix. Prepare o salto 15.
Desenho
No País que mais mata pessoas transgênero, Eliane Brum e Lygia Barbosa revelam com leveza a intimidade de uma das maiores cartunistas do País. Laerte abre a casa e as barreiras para expôr um ‘eu’ muito profundo.
O documentário Laerte-se, da Netflix, mostra que o ser humano vai além do gênero, embora seja elemento importante desta construção. O humano é um juntado de experiências, inseguranças, julgamentos - próprios e externos -, vivências e um sem fim inominável.
Laerte é prova viva - felizmente - de que podemos rabiscar o próprio destino. Veja nua, ou nu, ainda que de roupa.
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