Opinião | Rede social, fragmentação do eu e ansiedade. Você lembra como mudava de persona antes da internet?

No tempo em que o futuro era vislumbrado nos episódios dos Jetsons, nós já tínhamos nossas redes sociais - e calma para trocar de personagem. Hoje, somos outro em segundos, e a pergunta que fica é: em qual rede social cabem nossas lágrimas, incongruências e imperfeições?

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Atualização:

Quantas redes sociais você possuía na sua infância? Calma, eu não enlouqueci. Se você, assim como eu, nasceu em uma época em que a televisão trazia um botão giratório para mudar os canais, que eram pouquíssimos, e o telefone fixo era uma joia rara que te fazia sócio da companhia telefônica, está pronto ou pronta para me contar que, obviamente, a internet era história dos Jetsons; logo, não havia redes sociais.

Acontece que, pasmem, as redes sociais começaram antes de contarmos a vida por gigas, downloads e uploads. As minhas eram basicamente três: a vizinhança, a escola e a igreja. Ali, naqueles três grupos, estavam quase todas as pessoas com quem eu convivia.

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Os vizinhos eram os que melhor me conheciam: me viam com a roupa de ir ao culto no domingo e com a touca de meia na cabeça limpando a calçada na segunda. Escutavam as broncas que o meu pai e minha mãe me davam em alto e bom som. Sabiam quem estava me visitando, quando e, rapidamente, descobriam o porquê. Queria que soubessem menos, inclusive.

Na escola eu era a divertida, popular e, paradoxalmente, uma excelente aluna. Inteligente, mas conversadeira demais, segundo os meus professores. Era lá que o meu mundo se expandia um tanto e eu conhecia gente diferente, com mais liberdade, com mais condições financeiras, com gostos novos.

Na igreja estava a minha personalidade mais contida, a que tinha de sentar e levantar cada vez que o pastor convocava a congregação para uma oração ou um hino, a que não podia enrolar os shorts na cintura para que ficassem mais curtos e menos avessos à moda.

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Personalidades diferentes, circulando por lugares diferentes, gozando de um tempo de respiro entre elas. Eu não precisava pensar muito em quem deveria ser em cada lugar, simplesmente era. E estava tudo razoavelmente bem.

O Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais do mundo. Foto: DimaBerlin - stock.adobe.com

Atualmente me considero uma pessoa com poucas redes sociais. Conheço pouco meus vizinhos, tenho amigas com as quais compartilho a vida, não frequento igrejas ou terreiros, não trabalho em um lugar fixo, e vou para a academia com fones de ouvido que, em regra, me isolam do resto do mundo. Continuo conversadeira e popular, mas faço isso mais no virtual que no real.

No virtual, administro o Instagram e o Linkedin, e isso é suficiente para me deixar exausta.

Assim como a igreja, a escola e a vizinhança da infância, as redes sociais atuais têm suas regras: o Instagram pede que escolhamos os nossos melhores sorrisos, os pratos mais bonitos que vieram à nossa mesa, os melhores filmes, as melhores roupas. Coloca aquela frase de efeito bonita e motivacional que agrada à sua galera, aquela música que está todo mundo ouvindo e que você aprendeu que é legal, copia a trend.

Por falar em trend, aproveita o TikTok para saber o que está acontecendo no momento, o que é ou deixou de ser moda, quem precisamos cancelar dessa vez.

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E coloca o blazer e a cara séria porque é hora de abrir o Linkedin, e o papo lá é comprometido, antenado e disruptivo. Ops, notificação nova no Twitter ou X, ou seja lá o que for: como está a sua disposição para polêmica e para discutir com gente desconhecida hoje?

Hoje em dia, pulamos de uma persona para a próxima em segundos, em um abre e fecha de apps e janelas e guias incessante. Foto: LIGHTFIELD STUDIOS - stock.adobe.com

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Em nossas infâncias tínhamos a caminhada da escola para casa, o dia certo de ir à igreja e outros períodos de transição para nos adaptarmos ao que era esperado de nós entre uma rede social e outra. Agora pulamos de uma persona para a próxima em segundos, em um abre e fecha de apps e janelas e guias incessante. Nos perdemos no que devemos aparentar e temos pouco espaço para lembrar quem somos quando ninguém está olhando.

Em que redes cabem as nossas lágrimas, as nossas incongruências, as nossas inegáveis imperfeições? Em que espaços os ombros relaxam, os cabelos bagunçam e a gente se permite não ter opinião alguma sobre o que está acontecendo? Quando somos mais do que os personagens que as redes sociais exigem de nós?

Segundo a ComScore, o Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais do mundo. Somos, também, os mais ansiosos, conforme relatório da OMS. Será coincidência? Winnicott dizia que o bem-estar está em adquirimos a fundamental capacidade de estarmos sós. O que resta de nós quando o celular descarrega?

Opinião por Elisama Santos

Elisama Santos é psicanalista e escritora, autora de livros como Vamos Conversar? e Por Que Gritamos

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