Restaurante Tuju põe em evidência a culinária paulistana e o respeito à natureza

Comandado pelo chef Ivan Ralston, o restaurante com duas estrelas Michelin inova com respeito à sazonalidade dos ingredientes

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Foto do author Alice Ferraz

“Não há segredo ou fórmula matemática. Estamos apenas procurando culinárias realmente excelentes.” Assim é definido o critério que pauta o reconhecimento de um dos maiores méritos da gastronomia mundial, também conhecido como Estrela Michelin.

O chef Ivan Ralston está à frente do restaurante sazonal Tuju. Foto: Lucas Fonseca/Divulgação

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Para se tornar um “estrelado”, o estabelecimento é avaliado por um júri técnico mundial e deve exceder em alguns critérios: qualidade dos ingredientes, harmonia dos sabores, domínio das técnicas e personalidade do chef, sendo que o foco absoluto, segundo a própria equipe que faz o guia, é sempre “a comida no prato”.

Há cerca de uma semana, em São Paulo, o chef Ivan Ralston e seu Tuju tiveram suas duas Estrelas Michelin revalidadas. O restaurante também se tornou o único brasileiro a ganhar o selo de sustentabilidade, a Estrela Michelin Verde, que destaca os expoentes na adoção de práticas sustentáveis e éticas no universo da gastronomia. “Este novo reconhecimento é algo que me traz grande satisfação pessoal”, comenta Ivan sobre a nova chancela do Tuju. “O respeito à natureza e a intenção de trazer boas práticas ecológicas à nossa rotina são importantes aqui no restaurante, até mesmo na arquitetura do espaço. Nosso teto, por exemplo, tem formato específico para captação de água da chuva, que é armazenada e ganha novas utilidades.”

Com um menu de dez etapas, que varia de acordo com a temporada e dá prioridade absoluta para ingredientes da estação, vindos de pequenos produtores locais, a gastronomia do Tuju não vem embalada por conceitos complexos. Ivan traz à mesa uma culinária de afeto e memórias: “Venho de uma família na qual a comida esteve muito presente em diversos aspectos. Fui cercado por isso por todos os lados e é algo que me influencia muito aqui”, lembra o chef, ao falar sobre como constrói sua culinária. No restaurante, que abriu suas portas em 2014, entrou em hiato durante a pandemia e retornou às atividades, redefinindo sua jornada, em setembro do ano passado - em um novo espaço localizado em um despretensioso cul-de-sac do Jardim Paulistano -, a culinária é autodefinida em três palavras: “Cozinha sazonal paulistana”.

Raízes

A estação atual, por exemplo, é a chamada seca, “a época do ano com menos chuva e baixa umidade no ar”, explica o chef. “Por isso, trabalhamos muito com raízes, como o rabanete, e algumas frutas, como a nêspera e o tomate de árvore, que é muito comum na Serra da Mantiqueira”, informa Ralston. “Após estudar e conhecer a região com mais profundidade, conseguimos entender melhor a sazonalidade no Brasil, principalmente em São Paulo. Aqui não é como no hemisfério norte, onde as estações são definidas por temperatura; nossas temporadas se baseiam muito mais na quantidade de chuva e no nível de água disponível no solo para que haja o cultivo de cada alimento. Não é sobre estar calor ou frio”, complementa Katherina Cordás, pesquisadora culinária e esposa de Ivan, que dirige o centro de pesquisas do restaurante.

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Nos ingredientes está a materialização da base da proposta gastronômica do Tuju, que parece querer afirmar raízes e valorizar o momento presente. “A sazonalidade e a regionalidade do menu propõem diferentes sentimentos. Em alguns momentos ele pode ser mais desafiador, em outros, chega como um conforto. E há também etapas que despertam lembranças”, conta Ivan, que traz um paralelo entre a culinária e o campo das artes: “É como uma boa música, que se harmoniza entre momentos mais altos e mais baixos”.

Além dos produtos regionais, a culinária do chef Ralston também incorpora insumos dos quatro cantos do mundo - e também de outras regiões do Brasil -, como o Caviar do Tibete, o pistache do Irã e o cacau da Bahia. “Cerca de 95% dos insumos que usamos são locais, vindos de todo o Estado, mas nosso menu inclui também ingredientes trazidos de outros lugares, assim como a própria população da capital paulista”, explica Cordás. “São Paulo é multicultural, é uma cidade que carrega muitas referências e é formada por pessoas vindas de diversos lugares do mundo. Pessoas que trazem sua carga cultural, suas histórias, seus ingredientes - e toda a diversidade que isso forma é o que chamamos de culinária paulistana. Nossa cozinha também reflete essa característica da nossa cozinha do local.”

A experiência, no entanto, vai além do paladar e envolve todos os sentidos, por meio da ambientação. O projeto do restaurante é de Angelo Bucci, fundador do renomado escritório paulistano SPBR, conhecido como o arquiteto que “busca desenhos carregados de sentidos”. Tal intenção se materializa no projeto do Tuju e sugere uma série de conexões com a gastronomia de Ralston quando analisada pelos conceitos da neuroarquitetura, teoria baseada na neurociência que define a influência que os espaços têm no comportamento e nas sensações humanas.

Sob essa ótica, o corredor de entrada do restaurante serve como elemento de transição na percepção do visitante, que deixa o espaço onde estava e se volta para onde vai entrar. No pátio interno, que recebe quem chega, novos elementos abrem margem para análise. O ambiente se ergue em um pé-direito com abertura zenital. Segundo a neuroarquitetura, a amplitude traz tranquilidade ao ambiente, assim como a madeira e a vegetação natural, ambas usadas com destaque máximo no espaço. A experiência culinária começa lá, uma primeira etapa em preparação à segunda: o jantar.

Experiência

A gastronomia do chef Ivan Ralston é experimentada no primeiro pavimento do restaurante, no salão cuja ambientação é diferente da do pátio. No centro do espaço está a cozinha, completamente aberta e iluminada. Ao seu redor, grandes mesas redondas se dispõem sob iluminação baixa. O ambiente é perfeito para que cada um dos comensais tenha a oportunidade de focar a sua própria experiência culinária. O terraço, por sua vez, foi montado com grandes e convidativos sofás. Nesse terceiro ambiente, há, na atmosfera, um aparente convite à descontração e socialização, onde a noite se encerra com leveza.

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Segundo o Guia Michelin, duas estrelas “são concedidas quando a personalidade e o talento do chef são evidentes em seus pratos habilmente elaborados; sua comida é refinada e inspirada”, unindo técnica e identidade. Um grupo seleto de restaurantes no qual o Tuju se encaixa com louvor.

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