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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião | Ano Novo...

A cada ano, renovamos esperanças que vão além da casa, da rua, do bairro, da cidade e alcançam o País, o mundo e os céus

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Um auspicioso e inédito 2025 começa numa repetida quarta-feira que lembra as cinzas do símbolo maior das nossas ambiguidades: o carnaval, que não termina, porque as nossas elites instaladas nos seus palácios e gabinetes “cuidam” para que o Brasil não mude.

Criamos o tempo, aprisionando-o em segundos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos, milênios e eras. Um englobamento no qual salientamos a semana. No Gênesis, Deus fez o mundo em sete dias para repousar no domingo. Para a modernidade agnóstica, entretanto, os sete dias concretamente vividos da semana não despertam o mesmo sentimento das anualidades não recorrentes que empacotam 52 semanas e 365 dias. Semanas e meses repetitivos não marcam legalmente nossas vidas. Nossas tumbas, porém, registram data de nascimento e morte.

O espaço de um ano pode conter tragédia ou comédia Foto: Stelena/Adobe Stock

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Celebramos as passagens semanais com um caseiro “sextar”. Quanto menor a unidade de tempo, mais subjetivo é o espaço a ele alocado. As semanas são mais pessoais do que os aristocráticos séculos e os humildes e sempre vergonhosos segundos de nossos gozos e covardias.

Os dias da semana marcam a alternância entre o repouso em casa e o trabalho na rua. A casa exclui “movimento” do qual nasce o inesperado positivo ou negativo. O anonimato das grandiosas medidas de tempo não cabe no espaço da casa, onde todo mundo sabe muito bem com quem está falando. A ritualização dos “fins de semana” pertence ao ideal de “não fazer nada” que é o fazer tudo da felicidade.

As semanas, como os meses, “voam”, mas os anos “passam” e assinalam atraso, pandemia, guerra, roubalheira ou progresso. Os meses chamam atenção para situações extraordinárias: a doença o levou em dois meses; agosto, mês de desgosto, do suicídio de honra de Vargas; maio – mês de Maria...

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Não inauguramos semanas e meses. Eles sugerem uma permanência que disfarça o fim porque eles não se sucedem como etapas históricas.

Mas a cada ano, renovamos esperanças que vão além da casa, da rua, do bairro, da cidade e alcançam o País, o mundo e os céus. O espaço de um ano pode conter tragédia ou comédia. Revoluções têm datas: 1789, 1917 – não estouram em bucólicos domingos de sol. Contudo, todos caímos num 1º de abril em 1964...

Anos, com o perdão do péssimo trocadilho, são carregados e jamais deixam de ficar atrás, contrariando a multidão dos que escrevem sem ler.

Ademais, os dias de um ano trazem inovações que vão promover melhoras como imagina o nosso progressismo. Ademais, sentimos o tempo como uma mercadoria que pode ser perdida ou vendida.

Finalizo com Santo Agostinho. Ele disse que o tempo vem do futuro que ainda não existe, para o presente que não tem permanência, e vai para o passado que não mais existe.

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Feliz 2025!

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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