Infelizmente, tais abortos, dizem os especialistas, surgem na dinâmica geopolítica deste mundo globalizado, no qual parece que tudo vale.
Relativizar não é simples, embora seja corriqueiro em um planeta pautado por uma cosmológica hipocrisia. Realmente, como manter as aberrantes diferenças de poder e riqueza entre classes sociais, etnias, países, continentes e hemisférios, sustentando um ideal de justiça e igualdade, senão relativizando?
Relativizamos diferenças pessoais quando repetimos que “gosto não de discute”. Mas temos imensas dificuldade para simpatizar com costumes ou pessoas que não se harmonizam com valores que nos constituem e fabricam.
Receitas ou imperativos constitucionais que definem o que somos ou julgamos ser são difíceis de relativizar. No caso brasileiro, a escravidão permeia nossa dificuldade de relativizar a cor da pele e o trabalho. Trabalhar não seria coisa para “senhores” em um sistema no qual quem trabalhava usando o corpo - realizando ofícios manuais, dizia a antiga legislação luso-nacional - era um grupo inferior, cujo paradigma até hoje é o negro.
No plano político, olhares compreensivos são ainda mais raros porque envolvem governos e opositores que devem ser neutralizados ou eliminados. Na nossa América Latina, oposição e governo em geral têm como objetivo uma recíproca destruição, jamais a construção de um país. O problema mais agudo é a relatividade das leis e dos tribunais, que anistiam hoje o corrupto de outro dia, tornando todas as regras manipuláveis - logo, relativas a quem comanda a máquina pública. Questões como o tempo no qual uma população terá o direito de desfrutar liberdade com igualdade podem ser golpeadas com crueldade, como exige a ditadura bolivariana na Venezuela.
No Brasil, as elites sempre foram arrebatadas pela liberdade que permitia criticar e trocar de lado no poder, enquanto a igualdade era, e ainda é, um valor fácil de prometer, mas ofensivo ou até mesmo impossível de praticar. Pois a igualdade submete quem não se relativiza perante a lei. Os “mandões”, para quem tudo vale - menos a igualdade perante a lei. Essa dimensão irredutível da democracia.
Quem gosta das exclusões abomina o igualitarismo universalista e assim parteja “democracias relativas”. Democracias nas quais o povo obedece à lei - e o mandão é o seu dono.
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