Nem sempre as leis confirmam hábitos, preconceitos e costumes.
No Brasil, tendemos a culpar e usar “o governo” para desculpar e corrigir a sociedade e seus costumes.
Penso que esse elo disfuncional entre leis e costumes, entre – como escrevi – a casa e a rua, é a raiz do que chamamos de corrupção.
Num sistema aristocrático, os cargos públicos são exercidos por membros da “casa real”. Num sistema democrático, a nomeação é impessoal e expedita, tal como ocorreu na morte de Franklin Roosevelt e de John Kennedy. Neste caso, um protocolo burocrático-racional impessoal (que submete até mesmo os burocratas!) domina famílias e partidos.
O elo entre costumes e leis não é pacífico, como revela a história. A Europa passou de um catolicismo pessoalizado para um luteranismo impessoal (sem santos, confissões, virgem mãe e indulgências); e de uma aristocracia familística para uma democracia fundada na igualdade e na liberdade universal por meio de um processo revolucionário.
Na maioria, senão em todas as sociedades nacionais territorializadas, há uma separação de governabilidades. Mas em toda parte o familístico opera em relativa harmonia e não desmoraliza o burocrático.
A “corrupção” é o embaralhamento entre critérios de dominação tradicional e burocrático-racional. Então, o amigo a quem devemos favor inibe a regra impessoal e “vira” ministro...
Como observador e participante da elite brasileira, Oliveira Viana percebeu a importância dos laços pessoais no mundo público, algo que tenho elaborado numa obra pouco lida, e menos ainda entendida, porque o que tipifica o poder nacional é essa ambiguidade.
No livro Carnavais, Malandros e Heróis (de 1979), eu chamei esse embuste de impessoalidade-com-pessoalidade de dilema. É esse embuste que impede a Justiça, garante que o crime compense e sustenta a quimera populista.
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Lembro que o nosso primeiro documento impessoal termina com um pedido: “E pois que (...) peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé́ a Jorge de Osório, meu genro (...). Beijo as mãos de Vossa Alteza”.
A carta de Caminha, escrita no primeiro dia de maio de 1500, uma sexta-feira, revela a força dos costumes. A ela só são comparáveis a indiferença da elite liberal e democrática e os despachos imperiais do ministro Toffoli, reveladores de que o crime compensa.
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