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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Galípolo ou mais do mesmo?

Sem relativizar o particularismo que informa o sistema desde a sua instalação, estaremos - com ou sem ele - a esperar mais do mesmo

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Espero que a nomeação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central não provoque a selvageria da batalha de Galípoli pelo controle do Estreito de Dardanelos em 1915, quando grandes potências europeias tentaram invadir o império otomano.

Um desavisado leitor diria que deliro. Mas há uma correspondência estrutural entre Galípoli e Galípolo, que remete às formas de dominação propostas por Max Weber, pois a caracterização dessas formas aponta a dominação carismática - característica da dominação turca - para a legal-burocrático, adotada nos países do Ocidente europeu.

Coletiva Gabriel Galípolo, Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda, indicado à presidência do Banco Central. Foto: Albino Oliveira/MF

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Carisma, tradição e legalismo universalista, conforme Weber e Talcott Parsons advertem, combinam-se. No Brasil, esses ajustes foram tipificados como “patrimonialismo” e estudados no clássico Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro.

Noto que Faoro fala em “donos” e não em ocupantes que transitam no poder, pois o fundo da questão é - como tenho aqui insistido - a dualidade relativa entre particularismo e universalismo, elaborada por Parsons e seus discípulos, como Robert Merton, vigente no Brasil.

Nosso dilema continua a ser a operação de instituições burocráticas impessoais e, desse modo, possuidoras de autonomia dentro de um sistema cujo modo de dominação se assenta em lealdades pessoais. Seu axioma foi apontado por Oliveira Viana: “Tenho todas as coragens, menos a de negar o pedido de um amigo!”.

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Como escapar ou romper com essa determinação ética é o ponto central de nossa vida política. Sem relativizar o particularismo que informa o sistema desde a sua instalação, estaremos - com Galípolo ou sem ele - a esperar mais do mesmo.

O ponto crítico é relativizar costumes particularistas - coisas da casa - dando lugar a normas que valem para todos. Não é possível continuar com dois pesos e medidas na vida pública, como exibe Lula III, afirmando não endossar nem Maduro nem seus golpeados opositores.

Espero e desejo sucesso a Gabriel Galípolo, tal como espero que as instituições engendradas para equilibrar vieses carismáticos - essas sementes do golpismo - sejam respeitadas.

Sem tal determinação, estaremos fadados a irremediáveis inflações éticas. A uma dominação legal cuja validade depende de interpretações pessoais. Um claro autoritarismo inconsciente(?) que até hoje abordamos como natural.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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