Simon Kuper, escreveu no Financial Times de 10 de maio de 2013 sobre as elites: “Parafraseando o escritor inglês E.M. Forster, essas pessoas prefeririam trair o seu país do que trair um amigo. Membros da elite justificam favores mútuos em nome da amizade. Realmente, como observou, entre outros, o jornalista Serge Halimi, isso é corrupção”.
A amizade, os amigos e os primos não são particularismos brasileiros. A observação acima revela como elos pessoais não podem deixar de ser politizados e relativizados nas democracias. Em todo lugar, a máquina estatal é constituída de seres humanos fabricados e relacionados por elos de sangue, amor, lealdade absoluta, intimidade física e psicológica, reciprocidade e assim por diante; mas, entretanto, a impessoalidade do universo público demanda controle e vigilância sobre todo esse maravilhoso universo da casa grande e, com ele, dos parentescos, das amizades e dos amigos.
Como tenho insistido nesta coluna e na minha cancelada obra, elos familísticos de simpatia, parentesco, compadrio e amizade, na medida do bom senso e da consciência pública, têm que ser englobados pelos ideais da sociedade inclusiva, a nação.
No governo, a diretriz de quem quer que seja o seu mandão não pode ser a de um tinhoso operador da máquina pública para “arrumar” amigos e parentes. Ou companheiros, pois partidos políticos não podem continuar sendo só máscaras para oficializar e legitimar a sequiosa massa social dos laços pessoais.
Coisa difícil de realizar sem cair nas ilusórias balas de prata do coletivismo autoritário, do nacionalismo neofascista e da indiferença das taras do capitalismo guiado pelo individualismo do cada um por si e do lucro para os espertos.
A coordenação ou acomodação de particularismo com universalismo – e vice-versa – é o ponto crítico da nossa modernidade, pois não se trata de transição irreversível, mas de uma dialética. Não existiríamos sem nossas casas, mas jamais alcançaríamos níveis satisfatórios de liberdade sem um equilibrado governo que, por seu turno, não seja capaz de gerenciar a sociedade ordenada numa nação, sem um estado capaz de resistir às tendências políticas e ideológicas dos governos e dos interesses egoístas de suas elites.
O problema, como observou em 1923 Oliveira Vianna, tem a ver com esses particularismos da casa que configuram uma jamais discutida ou politizada malversação de uma ética de responsabilidade pública nas suas difíceis demandas, porque se trata de rejeitar disciplinando costumes e hábitos estabelecidos e naturalizados. Trata-se de descumprir expectativas que as mudanças de regime politico “esqueceram” de fazer no Brasil, onde a República não fez a separação entre governo e costumes. No fundo, as elites não foram afetadas pelo universalismo republicano – um poder mais igualitariamente praticado do que autoritariamente exercido. Esse dilema fermenta a permanente malandragem-estrutural.
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