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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Nossos heróis não são os pomposos parlapatões que prometem tudo para ganhar poder político

É um privilégio e um verdadeiro milagre assistir a provas que ajudam a viver e demonstram uma das mais belas vitórias do espírito humano contra aquilo que em teoria limitaria a sua plena expressão

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São expressões exemplares e raras do lado melhor e mais nobre da Humanidade que – graças ao igualitarismo universalista, democrático, livre e sem preconceitos do esporte – se podem confirmar ao vivo e em cores.

Gabriel Araujo, o Gabrielzinho, atleta paralímpico da natação. Foto: Miriam Jeske/CPB

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É verdadeiramente inacreditável e avassaladoramente impressionante ver esses atletas, esses praticantes de artes esportivas por meio de corpos que normalmente são rejeitados e estigmatizados. Se você não acredita em milagre, vá vê-los. Não perca suas atuações nas pistas, piscinas e quadras. Não deixe de maravilhar-se com seus feitos, com sua coragem, com o que eles generosamente ofertam nas suas trajetórias de vida. Se você, como eu, lastima o AVC, o acidente ou a deficiência ocular, vá vê-los correndo, nadando, saltando e dando prova de que superar e transcender são os mais belos valores daquilo que anima o humano. Pois cada um desses atletas transcende a miséria do egoísmo que nos fecha em nós mesmos porque eles demonstram aceitar suas deficiências, ao mesmo tempo que nos presenteiam com uma tenacidade e um otimismo que são o sal da vida. Dessa vida que vivemos muitas vezes como prova, essa prova inscrita nos seus corpos. É esse exemplo de doação que, emocionado, vejo nesses seres humanos maravilhosos. Heróis a quem eu dedico essas palavras de plena gratidão.

É um privilégio e um verdadeiro milagre assistir a essas provas que ajudam a viver e demonstram uma das mais belas vitórias do espírito humano contra aquilo que em teoria limitaria a sua plena expressão. Pois, num sentido muito claro e preciso, nós somos os nossos corpos e é com eles e por meio deles que alcançamos os outros e vivemos as emoções que fazem parte de nossa paisagem social. O que fazer com um corpo que o senso cultural censura e rejeita? A reclusão e a marginalização seriam as únicas saídas? Como competir sem braços, pernas e visão? Basta uma pequena dor para justificar uma desistência.

Pois é justamente essa recusa conformista que emociona nesses atletas heróis. Neles encontramos um incrível e contagiante prazer de viver conquistado por uma dedicação admirável a um projeto que demanda um extraordinário uso do corpo. É justo esse paradoxo que o esporte faculta que emociona e surpreende. Porque, no fundo, viver é enfrentar deficiências e limitações. Sem ferir, atacar ou anular os outros. O que, na maioria, seria um castigo, esses homens e mulheres revelam ser um traço de vontade de viver e de vitória.

Que maravilha ver esses atletas do humano para se dar conta de que os nossos heróis não são os pomposos parlapatões que prometem tudo para ganhar poder político. Eles são esses incríveis atletas do espírito humano – esses anjos que, aqui e agora, superam seus próprios corpos.

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Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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