A mais recente manifestação bolsonarista tem sido comentada dentro de um diagrama contemporâneo e político, nos quadros de uma disputa pela “bala de prata” que “resolveria” o Brasil. A fé milagrosa no “resolver” sem mudar faz parte do magnetismo dos salvacionismos e do seu ramo moderno – o populismo –, hoje pressionado por programas que contemplem saneamento, educação e o fim de privilégios incompatíveis com o igualitarismo democrático.
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A maioria dos observadores constatou o óbvio ululante do episódio: o bolsonarismo não estaria morto! Acrescento: nem o bolsonarismo, nem o que ele claramente representa como mais uma encarnação salvacionista do mito messiânico.
A manifestação teve um elemento além do político, devido à presença do próprio “mito salvador” na sua aclamação bíblico-funerária, reiterando o que só a fábula pode prometer: a inocência das armações golpistas e o cuidado amoroso do povo. Ali, mais uma vez, surgia o sonho messiânico: entregar o “governo” a um “salvador da pátria”, enquanto nós sonegamos impostos, furamos fila, não temos paciência com o sinal de trânsito, jogamos o lixo na calçada do vizinho e anistiamos os amigos.
O encontro revela a força sócio-histórica do salvacionismo messiânico, agora encarnada no “mito” chamado Jair Messias Bolsonaro. Personagem predestinado, sobrevivente de uma facada, sujeito não às criticas rotineiras do senso comum, mas a perseguições de todos os que, como ele, são escolhidos para transformar o sertão em mar e salvar do braço da lei os “pobres coitados” que, possuídos por sua aura, vandalizaram símbolos da República, enquanto ele sofria em Miami.
O bolsonarismo é manifestação do sebastianismo ibérico, hoje engolfado pelo xadrez reducionista de direita ou esquerda. Sua popularidade mostra a importância do renunciante do mundo, conforme sugiro em Carnavais, Malandros e Heróis. O salvacionismo é um valor e isso é demonstrado por sua competência mobilizadora. Capacidade que vem de Antônio Conselheiro e João-Maria, passa por Jânio Quadros, sustenta Maluf, alcança Brizola, topa em Lula e chega a Bolsonaro em virtude do assassinato da Operação Lava Jato – evento incabível numa sociedade de “armadores”.
Os traços dos renunciantes do mundo são claros. São desconhecidos, inferiores e marginais incompreendidos por seus inimigos – pois assinalam a possibilidade de, a todo custo, incluindo o golpe, salvar o Brasil.
O que arrebata no renunciante é justamente o sopro de tosca simplicidade. Seu messianismo surge nos acenos que ele faz para subverter a ordem e o bom senso, porque seu apelo contém artifícios caóticos e irracionais de fim de mundo, pois os messias amam pandemias e existem programando catástrofes.
Quem não é tocado por um salvador, pelo messias e pelo mito numa sociedade que recorrentemente troca o dito pelo não dito?