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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião | O ‘você sabe com quem está falando’ na esfera eleitoral é golpe. E na financeira?

O episódio que derrubou as ações da Petrobras e ressalta a ambiguidade das empresas estatais revela um traço que tenho discutido no meu trabalho: a aversão ao universal-igualitário e ao anonimato

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O episódio que derrubou as ações da Petrobras e ressalta a ambiguidade das empresas estatais revela um traço que tenho discutido no meu trabalho: a aversão ao universal-igualitário e ao anonimato

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Não espanta que numa sociedade personalista, relacional e hierárquica o mercado impessoal e autorregulado seja visto como um inimigo, como alertou, em 1944, Karl Polanyi. Na medida em que Lula III revela seu projeto multiestatizante, o mercado implacavelmente enuncia que, sem honrar a impessoalidade de certas instituições, é difícil equilibrar finanças e viver democraticamente.

Se o mercado reage a intervenções ilegítimas, o regime democrático também reage às pancadas jurídicas que anistiam ladrões. O golpe e o desvio de recursos são óbvios desvios ligados ao personalismo imperioso.

Anonimato e impessoalidade são dimensões essenciais da cidadania que o mercado eleitoral consagra em paralelo ao mercado financeiro. Por isso, o “você sabe com quem está falando” na esfera eleitoral é golpe. E na esfera financeira ele é uma sobrevivência e uma deficiência de entendimento do capitalismo.

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Não é de admirar que Lula III tenha dado um claro 'você sabe com quem está falando?' no mercado erroneamente visto como um inimigo pessoal dos pobres e da sociedade brasileira. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Não há dúvida de que o mercado autorregulado e, sobretudo, independente perturbe quando é adotado como mecanismo de distribuição em sociedades hierarquizadas e relacionais. De fato, a impessoalidade é o exato oposto dessas sociedades avessas acima de tudo a uma perturbadora igualdade. Mas não se deve esquecer que, na sua impessoalidade, o mercado também recompensa.

Lembro que, ao lado do mercado, Polanyi viu a reciprocidade e a redistribuição centralista como mecanismos paralelos de distribuição. O lulopetismo obviamente prefere, como os demagogos de outros matizes, a reciprocidade e a redistribuição populista que confunde fornecer cartão com acabar com a ignorância geradora de pobreza e criminalidade.

Ao se recusar a pagar dividendos, o governo mostra predileção pelo redistributivismo centralista e particularista. Mais um vez, a alergia entre governo centralista versus sistema financeiro universalista evidencia o nosso horror ao impessoal, a nossa ilusão de que o Estado tudo pode e a nossa crença de que centralismo populista produz justiça, quando se sabe que a redistribuição inibe produtividade e, no caso brasileiro, sustenta corrupção e imobilidade social.

É claro, pois, que os petistas recusem o mercado autorregulado. O lulopetismo prefere a reciprocidade e a redistribuição do que esse mercado impessoal, que opera sem ver amigos, compadres e companheiros. Como somos ibéricos e arquicentralistas, confundimos socialismo com redistribuição populista, ao lado de uma nefasta corrupção amorosamente anistiada.

Não é de admirar, portanto, que Lula III tenha dado um claro “você sabe com quem está falando?” no mercado erroneamente visto como um inimigo pessoal dos pobres e da sociedade brasileira.

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Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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