Assisti, como pesquisador e comentarista da Rede Manchete de Televisão, a Olimpíada de 1984, em Los Angeles. Algumas de minhas interpretações foram publicadas em 1987, no livro editado por John MacAloon (da Universidade de Chicago) e Kang Shin-pyo, The Olympics and Cultural Exchange, publicado pelo Instituto de Estudos Etnológicos da Universidade de Seul. Uma comparação da Olimpíada com a Copa do Mundo de futebol saiu no livro A Bola Corre Mais Que os Homens, publicado pela Editora Rocco, em 2006.
Naquela ocasião, um grupo de antropólogos de vários países observou os jogos como rituais modernos. Como situações fora das rotinas que constroem a plausibilidade do mundo diário no qual meios e fins estão relacionados. No cotidiano paulificante e razoável que vivemos, as piscinas não são usadas como instrumentos de competição; sua finalidade é o lazer que nos isola temporariamente do trabalho e das tarefas que exigem um elo entre o prego, a tábua e o martelo.
Escrevi sobre os Jogos Olímpicos como um conjunto de ritos que focalizavam e exaltavam a ideia de competição e o confronto não como agressão e guerra, mas como uma disputa esportiva igualitária. O esporte é diversão, jogo, negócio, profissão e paixão. Na Olimpíada, modalidades esportivas são destituídas de suas compulsões viscerais do perder ou ganhar. Nelas, o ideal é o competir do modo mais claro, honesto e objetivo. Os jogos sustentam um notável igualitarismo olímpico.
A universalidade da Olimpíada oferece a oportunidade de perceber o mundo como feito de unidades diferenciadas em poder e riqueza. Ela coloca em disputa países poderosos, ex-povos colonizados e nações em desenvolvimento, como iguais nas suas diversas arenas esportivas.
Tal igualdade de oportunidade talvez seja o centro ou o emblema da Olimpíada. Um outro elemento notável é que ela expõe indivíduos como atletas. Como devotados praticantes de esportes individuais numa arena ou mercado onde cada qual é julgado por seus próprios méritos, e não por idade, gênero, país de origem e certamente por compadrio e familismo.
Os Jogos Olímpicos exaltam e dramatizam o ideal democrático de uma igualdade absoluta e totalmente controlada. Uma igualdade que é a base de todo o ritual esportivo nascido no continente europeu e difundido pelo mundo como um ideal de valorização do ser humano como um indivíduo dotado de alguma excepcionalidade. A preocupação com a obediência a normas, regulamentos e regras de cada modalidade esportiva remove do ato competitivo a violência e a brutalidade do realista “vencer a todo custo!”, habitual na política e obrigatório na guerra.
Talvez a maior dramatização dos Jogos Olímpicos seja essa sólida vivência democrática, fundada no respeito às regras. Pois é o respeito às leis que glorifica tanto o esporte quanto uma vida coletiva honesta e equilibrada.
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