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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Progredir não é igualar? Não é nivelar todo mundo perante, ao menos, a lei? No Brasil, é um problema

Se a igualdade legal é difícil de ser praticada num país de barões, como dizia Sergio Buarque de Holanda, existe a funcionalidade dos ‘supremos’

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O tema é complicado e uma coluna não precisa de “filosofias”. Mas, pergunta o colunista formado em Ciências Ocultas e Letras Apagadas, nos regimes democráticos progredir não é igualar? Não é nivelar todo mundo perante, pelo menos, a lei?

A questão é a tolerância para com o tamanho das diferenças. As mais intoleráveis são as de educação e de civilidade, que demandam competentes e honestos administradores públicos a exigir melhores condições de vida em todos os níveis, liquidando a “massa” manipulada por populistas que não sabem a diferença entre dar o peixe e ensinar a pescar.

Estátua da Justiça, em frente ao STF. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Num sistema de formação escravocrata, no qual pretos africanos eram vendidos e comprados como máquinas de trabalho, a distância entre senhor e escravizado era parte integral dos costumes. Era tão naturalizada que a sua eliminação foi gradual e ambiguamente realizada.

Num sistema escravista, trabalho é castigo e a igualdade é desobediência e subversão. Se os escravizados ficaram com cicatrizes, a sociedade não abandonou a sua índole aristocrática e hierarquizada que dividia quem trabalhava pesado e quem usava a caneta e canetava. Tal distinção funciona a pleno vapor e até hoje todos, no Brasil, devem saber o seu lugar.

Como tenho insistido, o agressivo “Você sabe com quem está falando?” é uma sobrevivência reveladora de um sistema no qual igualar é um problema. Como vencer séculos de rigidez aristocrática combinada com escravismo negro? Como superar a oposição não politizada da casa com rua? Uma contrariedade fundada no respeito, no sangue, na idade e no gênero, na casa; e no anonimato, na impessoalidade da lei, na rua? Em casa, pessoalismo e relacionamentos insubstituíveis. Na rua, o anonimato e a impessoalidade da lei.

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Se a igualdade legal é difícil de ser praticada num país de barões, como dizia Sergio Buarque de Holanda, existe a funcionalidade dos “supremos”. Essa instância-limite das interpretações legais prometendo igualdade.

Por isso, os “supremos” não podem descer ao nível do debate político comezinho. Sociologicamente falando, eles – em contraste com o Executivo e o Legislativo – devem estar “fora do mundo” e tal é o seu desenho não fossem as inevitáveis adaptações locais, como bem apontou o jornalista Eduardo Oinegue na Folha de S. Paulo do dia 12 deste junho de 2024, quando comparou o nosso STF com a Suprema Corte americana. No exercício, salta à vista a força da vigilância igualitária na América, em contraste com o ranço dos privilégios no caso brasileiro.

A maior dessas vigilâncias é o crucial requisito da impessoalidade como um filtro que desnuda superioridades sociais, transformando gente com foro privilegiado em cidadãos que demandam uma justiça sustentada pelos impostos produzidos pelo seu trabalho.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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