O tema é complicado e uma coluna não precisa de “filosofias”. Mas, pergunta o colunista formado em Ciências Ocultas e Letras Apagadas, nos regimes democráticos progredir não é igualar? Não é nivelar todo mundo perante, pelo menos, a lei?
A questão é a tolerância para com o tamanho das diferenças. As mais intoleráveis são as de educação e de civilidade, que demandam competentes e honestos administradores públicos a exigir melhores condições de vida em todos os níveis, liquidando a “massa” manipulada por populistas que não sabem a diferença entre dar o peixe e ensinar a pescar.
Num sistema de formação escravocrata, no qual pretos africanos eram vendidos e comprados como máquinas de trabalho, a distância entre senhor e escravizado era parte integral dos costumes. Era tão naturalizada que a sua eliminação foi gradual e ambiguamente realizada.
Num sistema escravista, trabalho é castigo e a igualdade é desobediência e subversão. Se os escravizados ficaram com cicatrizes, a sociedade não abandonou a sua índole aristocrática e hierarquizada que dividia quem trabalhava pesado e quem usava a caneta e canetava. Tal distinção funciona a pleno vapor e até hoje todos, no Brasil, devem saber o seu lugar.
Como tenho insistido, o agressivo “Você sabe com quem está falando?” é uma sobrevivência reveladora de um sistema no qual igualar é um problema. Como vencer séculos de rigidez aristocrática combinada com escravismo negro? Como superar a oposição não politizada da casa com rua? Uma contrariedade fundada no respeito, no sangue, na idade e no gênero, na casa; e no anonimato, na impessoalidade da lei, na rua? Em casa, pessoalismo e relacionamentos insubstituíveis. Na rua, o anonimato e a impessoalidade da lei.
Se a igualdade legal é difícil de ser praticada num país de barões, como dizia Sergio Buarque de Holanda, existe a funcionalidade dos “supremos”. Essa instância-limite das interpretações legais prometendo igualdade.
Por isso, os “supremos” não podem descer ao nível do debate político comezinho. Sociologicamente falando, eles – em contraste com o Executivo e o Legislativo – devem estar “fora do mundo” e tal é o seu desenho não fossem as inevitáveis adaptações locais, como bem apontou o jornalista Eduardo Oinegue na Folha de S. Paulo do dia 12 deste junho de 2024, quando comparou o nosso STF com a Suprema Corte americana. No exercício, salta à vista a força da vigilância igualitária na América, em contraste com o ranço dos privilégios no caso brasileiro.
A maior dessas vigilâncias é o crucial requisito da impessoalidade como um filtro que desnuda superioridades sociais, transformando gente com foro privilegiado em cidadãos que demandam uma justiça sustentada pelos impostos produzidos pelo seu trabalho.