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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião | Seria a delação premiada uma arma da justiça ou um tipo de traição?

Entre nós, delatar é visto como um obsceno denunciar, trair, um dedo-durismo próximo à pusilanimidade

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Atualização:

Eu sabia que a delação premiada seria vista como um sinistro pau de arara, como afiançou o ministro Toffoli.

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Mais do que um crime, tal delação é uma repulsa às regras que governam a nossa vida pública, fundada em cálculos de elos com amigos ou inimigos e não em princípios e valores impessoais. Não deve ser por acaso que PL e PT abominem esse mecanismo revelador de companheirismos.

A “delação premiada” é parte de um sistema jurídico-policial no qual o criminoso se declara culpado ou inocente. É um “plea bargain” - uma oferta de colaboração negociada. O instituto tem origem na common law e, ao avesso do Direito romano, consagra - não corrige ou inventa - costumes. No Brasil, ele foi traduzido como “delação premiada”, dois termos negativos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, incluiu na pauta o requerimento de urgência para um projeto de lei que impede a homologação judicial de delações premiadas de quem estiver preso. Foto: Wilton Júnior/Estadão

Entre nós, delatar é um obsceno denunciar, informar e trair - é um “dedo-durismo”. Associado ao premiado, aproxima-se da pusilanimidade de trair os amigos e companheiros, como ocorreu na ditadura.

Ademais, a oferta de uma negociação com a polícia revela como o individualismo americano contrasta com o nosso lado relacional. Lá, o crime tem de ser combatido e, com os super-heróis, controlado. Aqui, “sabe-se” que a corrupção e a maldade são partes do mundo e da vida. A crença num “outro mundo” da reencarnação e do purgatório garante que o mal será punido num outro lugar...

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Nós não acreditamos em prevenir nem tampouco em punir. Nosso negativismo em relação a nós mesmos tem tonalidades cínicas. É o Grande Irmão da hipocrisia populista.

Nos Estados Unidos, o criminoso é parte de uma cultura utilitarista. A barganha o redime e ele passa a colaborar com a lei. Aqui, porém, o criminoso das primeiras páginas é alguém que admiramos e elegemos. É, pasmem, o cara que eventualmente nos governa!

É isso que torna a delação premiada perigosa. Ela não conduz aos esperados subterrâneos de uma trivial criminalidade, mas aos palácios do governo e confirma as grandes negociatas.

Ela comprova a voz de Deus, que é a voz do povo. E essa voz assegura: tendo oportunidade, todos roubam! Aliás, roubar o País não é crime, porque pode ser um ato de fé num ideal político.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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