Roberto Taddei mostra a fragilidade do desejo em ‘A Segunda Morte’

Romance acompanha a vida de um octogenário descrente de tudo

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Por Giovana Proença
Atualização:

Um homem velho dirige em direção à praia que visitou na juventude, agora perdida. Em A Segunda Morte, romance que trata diretamente do ato de envelhecer, não cabem eufemismos para a idade do protagonista. Aos 80 anos, Gustavo abandona toda a vida na metrópole na esperança de não deixar rastros. Temos aí os primeiros mistérios da narrativa de Roberto Taddei. O cenário litorâneo assume tom desolador dentro do romance. No trajeto, Gustavo se lembra do conselho do pai: “É difícil ser inteligente, porque a gente sabe quando está morrendo”. A percepção, que se relaciona com a proximidade da morte, parece nortear a viagem do protagonista.

A recepção na vila, ocupada predominantemente por pescadores, é repleta pelo desconforto. Não há vagas nas pousadas da região, o que anuncia a falta de espaço para um forasteiro apartado do turismo. Em um dos primeiros momentos, o que chama atenção de Gustavo são os urubus que o rondam como comensais da morte. O personagem de Taddei não pretende oferecer uma reconsideração sobre a velhice. Gustavo não tem dúvidas quanto a sua decadência, de modo que ele se vê como um homem em queda, despedindo-se da vida. Para essa narrativa, o autor opta por uma linguagem crua. A franqueza combina com o protagonista, prático ante a iminência de deixar o mundo.

Obra 'Mirante', de David Almeida, ilustra a capa do romance de Roberto Taddei Foto: Galeria Millan

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Como forasteiro, Gustavo ocupa uma posição ambígua. Ao mesmo tempo que está isolado do convívio das pessoas, ele detém a ótica de quem vê de fora – como um estrangeiro intruso. Em suas perambulações pela vila, as janelas abertas oferecem um vislumbre da vida privada. Através das frestas, Gustavo contempla o sexo, que para ele parece perdido, irrecuperável. Assim, ele se torna uma espécie de voyeur.

O corpo humano é descrito em sua crueza: as dores físicas do protagonista, a queimação no estômago, a perda do vigor sexual. O próprio peso é um fardo imenso para o personagem, concentrado em suas caminhadas; um velho flâneur que mal se sustenta e pouco aproveita das andanças pelo litoral.

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Em meio à desolação, há uma pequena esperança de ternura. Gustavo conhece Bianca, dona de uma pousada. O vínculo entre os dois se fortalece, caminhando do companheirismo a um sutil flerte. Ela, entretanto, tem um marido. Heitor, também um sobrevivente, há anos acamado, depende de um ventilador mecânico para respirar.

Retrato do autor em PB Foto: Fábio Audi/Companhia das Letras

Na sua presença, Gustavo reflete sobre a própria velhice, enquanto divide com Bianca os cuidados do homem. Heitor não representa um empecilho para que ele questione os seus sentimentos por Bianca, de modo que pensa estar acometido por uma última paixão, mais espiritual do que carnal.

A presença de Gustavo acende suspeitas sobre sua ligação com a comunidade, especialmente supersticiosa. No centro disso está a Festa do Divino, em que esteve quando jovem. A circunstância é lembrada pela centenária Alminha. A chegada de Gustavo é vista como um sinal.

A Segunda Morte não é para aqueles que buscam conclusões óbvias. Em tempos de valorização dos plot-twists e de revelações explícitas, Roberto Taddei vai na contramão: preserva questões-chave para entender a perenidade do tempo, o desejo e a valorização da descoberta. Taddei amarra bem o enredo na construção das personagens, afinal, A Segunda Morte mostra a importância do mistério na vida, mesmo para os que já acreditam ter visto e vivido tudo.

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COMPANHIA DAS LETRAS

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