Por que Quentin Tarantino fará apenas dez filmes? Porque ele está pensando em sua “œuvre”, é claro. Essa “palavra francesa difícil de pronunciar significa ‘corpo de trabalho’”, escreve Evan Puschak. Ao que parece, William Butler Yeats, poeta irlandês do século 20, também pensava assim. Não é comum que esses nomes surjam na mesma conversa, mas o excêntrico diretor de cinema por trás de Kill Bill e Pulp Fiction e o poeta ganhador do Prêmio Nobel compartilham uma abordagem fundamental: refletir sobre o legado enquanto se cria.
Puschak – conhecido como “The Nerdwriter” no YouTube – vem fazendo afirmações como estas há mais de uma década online. Mas ele não é só um cara trancado no quarto. Puschak largou empregos em meios de comunicação estabelecidos, como MSNBC e Discovery, para se concentrar no canal The Nerdwriter e, em 2017, entrou na lista Forbes 30 Under 30 para mídia. Pioneiro do formato “vídeo ensaio”, seus vídeos no YouTube – nos quais ele faz crítica de arte, cinema, literatura e muito mais – têm mais de 223 milhões de visualizações. Entre seus vídeos mais populares se encontram pensamentos sobre os padrões de discurso de Donald Trump e o filme de Bong Joon-ho Parasita, de 2019.
Agora, em Escape into Meaning, coleção de ensaios de estreia, ele tenta traduzir seu estilo em palavra escrita. O que me traz de volta a Tarantino e Yeats. Puschak escreve que, “assim como grandes filmes não devem ter cenas fracas, grandes filmografias não devem ter filmes fracos”. E argumenta que ambos os artistas pensam em seus catálogos de forma holística, que Tarantino (assim como Yeats) “abraçou uma perspectiva macro para sua arte”, ao contrário de Alfred Hitchcock, por exemplo, cujos “cinco filmes finais mal se comparam a suas muitas obras-primas”. Puschak usa The Second Coming, poema de Yeats de 1919, para mostrar como sua poesia se encaixa em sua filosofia da história. Puschak diz que todos os poemas de Yeats “expandem, aprofundam e qualificam os outros poemas da œuvre”.
No ensaio do título, Escape into Meaning, ele faz a grande pergunta: “O que, em nome de Deus, me levou a assistir ‘O Senhor dos Anéis’ cinquenta vezes?”. Aqui, Puschak tenta decifrar por que a franquia LOTR de Peter Jackson continua tão boa, decidindo que deve ser o próprio “desejo pela realidade como quero que ela seja”: um mundo onde cada pessoa recebeu um papel vital na mitologia, um lugar onde todas as profecias são cumpridas e onde os objetos sagrados são a matéria-prima do destino.
Esse “impulso para o sentido” é algo que Puschak também observa na obra do filósofo francês Albert Camus, que detalha o “apetite pelo absoluto” no ensaio O Mito de Sísifo. Puschak argumenta que nossa obsessão por O Senhor dos Anéis e criações semelhantes vem de uma “nostalgia pela unidade” que está embutida em nós. Coisas bem pesadas para um YouTuber.
Puschak, formado pela escola de cinema da Universidade de Boston, dá o seu melhor quando critica cinema, arte e literatura. Suas tentativas de abordar política ou economia – como faz no ensaio estranhamente amorfo When Experts Disagree [Quando os Especialistas Discordam] – são menos bem-sucedidas. Mas, mesmo assim, Ode to Public Benches [Ode aos Bancos Públicos] é um ensaio sem enfoque artístico que se destaca. Aqui ele disseca a felicidade de sentar em um banco público em Barcelona, vendo o mundo passar durante a pandemia de covid-19.
O que faz com que esse ensaio seja tão bom é a maneira como o autor captura uma experiência que eu e – suspeito – muitas outras pessoas – já sentimos. Os bancos públicos proporcionam uma fuga nas metrópoles movimentadas, onde todos tentam desesperadamente chegar a algum lugar e, se você parar, “corre o risco de ser pisoteado pela manada”. Puschak explora os benefícios sociológicos, cívicos e sanitários dos bancos públicos no planejamento urbano, defendendo sua necessidade. Para Puschak, esses benefícios ficaram evidentes durante a pandemia.
Como sua escrita se compara a seus ensaios em vídeo no YouTube? Embora a coleção seja irregular, cada texto tem aquela marca registrada do Nerdwriter com a qual qualquer pessoa com menos de 30 anos que já clicou em um ensaio em vídeo conhece muito bem. É sua curiosidade insaciável, sua vontade de se aprofundar em cada mínimo detalhe do tema. Sobre as artes, ele fala com autoridade, mas com doçura. Seus pensamentos complexos – às vezes grandiosos – muitas vezes são expressos de maneira simples e eloquente.
Livros escritos por estrelas das mídias sociais muitas vezes são criticados por parecerem caça-níqueis – e por boas razões. Autores com audiências prontas são uma aposta fácil para as editoras. Se eles sabem escrever, bom, isso já é outra questão. Mas Escape into Meaning é diferente. Fica claro que Puschak é um ensaísta talentoso – como seu ídolo, Ralph Waldo Emmerson – independentemente do meio.
Oliver-James Campbell é jornalista freelance e crítico de livros no Reino Unido.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Escape Into Meaning: Essays on Superman, Public Benches, and Other Obsessions
Evan Puschak
Atria - 272 páginas - US$27
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