O ex-secretário especial da Cultura do Ministério da Cidadania, Roberto Alvim, que citou trechos do ideólogo nazista Joseph Goebbels ao anunciar o Prêmio Nacional das Artes na última quinta-feira, era apontado nos bastidores do Palácio do Planalto como um nome de confiança do presidente Jair Bolsonaro, fiador de sua indicação ao governo federal. Alvim foi demitido do cargo nesta sexta-feira, 17.
Antes de assumir a secretaria especial da Cultura, o dramaturgo já havia trabalhado no governo à frente do Centro de Artes Cênicas (Ceacen) da Funarte.
Alvim é discípulo do escritor Olavo de Carvalho e defende o engajamento de artistas conservadores em pautas do governo. A aproximação com Bolsonaro se deu durante a campanha eleitoral de 2018, tendo declarado apoio ao então candidato do PSL ao Palácio do Planalto.
Quando estava na Funarte, em setembro, Alvim provocou forte reação da classe artística ao atacar com ofensas a atriz Fernanda Montenegro. Em uma postagem no Facebook, chamou Montenegro de "intocável" e "mentirosa". Em outro post, fez comentários sobre "arte de direita" de "arte de esquerda". "Arte de esquerda é doutrinação de todos os espectadores; arte de direita é emancipação poética de cada espectador."
O convite para Alvim trabalhar no governo se deu pelo fato de mostrar-se alinhado com as ideias do presidente e ter apresentado um projeto que impressionou aliados de Bolsonaro. Não à toa, quando o presidente nomeou Alvim para o cargo mais alto da pasta de Cultura, em novembro, disse que ele teria “porteira fechada”. A expressão é usada quando o gestor tem total liberdade para compor sua equipe e uma forma de dizer que ele chega ao cargo com prestígio.
Mudanças feitas por Alvim na pasta acentuaram o perfil mais conservador para a área. Diversos funcionários nomeados por ele são alinhados com o perfil ideológico cristão e conservador do secretário. Há, por exemplo, entre os integrantes do seu grupo membros da Cúpula Conservadora das Américas e defensores da promoção de filmes que destacam valores patrióticos e de preservação da família, além do fim da Ancine, a Agência Nacional de Cinema.
Entre as peças dirigidas por Alvim como dramaturgo está Kiev, de 2017. O espetáculo trata sobre a Revolução Russa e mostra a história de uma família que retorna à Rússia após o governo de Stalin e encontra sua casa prestes a ser demolida, com uma piscina apodrecida cheia de cadáveres de presos políticos. Formado em Artes Cênicas pela CAL (Casa das Artes de Laranjeiras – RJ), Alvim traduziu obras de autores como Ésquilo, Harold Pinter, Samuel Beckett, Gregory Motton, Arne Lygre, Henrik Ibsen, Jean Genet, William Shakespeare e Richard Maxwell. É autor do livro teórico Dramáticas do Transumano, publicado em 2012.
Club Noir
Fundado em 2008 por Alvim e sua mulher, a atriz Juliana Galdino, o Club Noir (espaço teatral situado na Rua Augusta, em São Paulo) foi palco de experimentações dramatúrgicas, especialmente do teatro do inglês Harold Pinter – um dos primeiros trabalhos foi O Quarto, desse escritor. Eram experimentações, marcadas por atores estáticos em cena e uma iluminação quase nula. Os trabalhos foram premiados pela APCA, além de indicações para o Prêmio Shell.
Ao mesmo tempo em que promovia experimentações, o espaço padecia pela falta de recursos a ponto de, em junho de 2019, Alvim e Juliana serem obrigados a fechar o espaço, alegando uma dívida de R$ 30 mil referente a aluguel, IPTU e contas de luz.
O dramaturgo é o terceiro nome no comando da Cultura no governo Bolsonaro. Antes, passaram pelo cargo o economista Ricardo Braga e Henrique Pires, que deixou o governo por se opor à suspensão do edital que selecionava obras sobre a temática LGBT para exibição em TVs públicas.
Repercussão de vídeo de Roberto Alvim
Após a polêmica em que se envolveu, o secretário de Cultura, Roberto Alvim, afirmou ao Estado na manhã desta sexta-feira, 17, ter "convencido" o presidente Jair Bolsonaro de que a citação de uma frase similar a do propagandista do nazismo, Joseph Goebbels, em um discurso nas redes sociais, foi uma "coincidência retórica". Apesar de reconhecer a associação e afirmar repudiar o regime de Adolf Hitler, Alvim disse concordar com o conteúdo da frase.
"A origem é espúria, mas as ideias contidas na frase são absolutamente perfeitas e eu assino embaixo", disse o secretário. Horas depois, ele foi exonerado do cargo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.